Casos em Ficalho voltam a fazer soar o alerta sobre a ameaça que chega de Espanha ou das grandes cidades

Autarca confirma foco infeccioso no concelho de Serpa, junto a Espanha, que já alastrou a um lar de idosos. Teme-se que os contactos transfronteiriços estejam na origem deste surto.

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Barreiras erguidas entre os dois países Miguel Manso
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Serpa abriu uma vala junto ao Chança para impedir a passagem DR
Rodovia de acesso controlado
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,Huelva
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No Lar de Idosos de Ficalho, freguesia de Serpa que fica junto à fronteira, apareceu uma pessoa infectada. Os serviços de saúde de Beja procederam de imediato à despistagem de todos os funcionários do lar depois de se ter confirmado que duas são casadas com espanhóis. A dimensão do contágio terá afectado o próprio médico destacado no centro de saúde, que agora se encontra isolado por se suspeitar que terá tido contactos com um dos infectados. As relações de proximidade com Espanha são apontadas como uma das causas de alguns casos que vão surgindo neste concelho, concretamente em Ficalho. O presidente da Câmara de Serpa, Tomé Pires, confirmou ao PÚBLICO a existência de um foco infeccioso no seu concelho. Até às 19h desta quarta-feira, “estão confirmados cinco testes positivos, quatro em Vila Verde de Ficalho e um em Serpa”.

O autarca realça a sua preocupação pela identificação de um teste positivo numa utente do lar de Ficalho com 80 anos de idade e que está internada no piso Covid-19 do Hospital José Joaquim Fernandes de Beja. E referiu que tomou conhecimento oficial do problema às 12 horas de terça-feira. Na sequência do acontecimento, disse ter solicitado de “imediato” uma reunião à Autoridade Local de Saúde e ao final da tarde de terça, uma equipa formada por um médico e quatro enfermeiros deslocou-se ao lar de Ficalho para fazer testes aos utentes. Nesta quarta-feira, os testes incidiram sobre os trabalhadores da instituição.

Um familiar de dois infectados em Vila Verde Ficalho, confirmados após testes efectuados no hospital de Beja, explicou ao PÚBLICO que o seu irmão e a esposa “deram positivo” após esta última ter mantido um estado febril ao longo de vários dias. A cunhada terá sido o primeiro elo na cadeia de contágio. “Começou a sentir-se mal, mas pensava que não se passava nada, até que decidiram deslocar-se ao hospital onde fizeram teste, que veio a revelar-se positivo”, descreveu. “O meu irmão foi também testado e viu confirmado o contágio” com o novo coronavírus. Agora estão a ser chamados para o teste, irmãos, irmãs e sobrinhos que ao todo “serão umas 10 pessoas”, acrescentou.

O risco de contágio a partir de Espanha está interiorizado ao longo dos concelhos fronteiriços alentejanos, que passaram a temer a deslocação de pessoas vindas de localidades vizinhas espanholas. Depois da autarquia alentejana ter colocado blocos de betão à entrada da ponte que liga ao concelho espanhol de Paymogo, a circulação de pessoas e até de viaturas passou a fazer-se por um caminho alternativo, junto aos pilares da ponte que atravessa o leito do rio Chança, que se encontra seco nesta altura do ano. O município procurou obstar este expediente abrindo uma vala e colocando baias metálicas para desincentivar a circulação clandestina naquele ponto da fronteira e alertou as autoridades espanholas. Funcionários da direcção de estradas da Deputación de Huelva deslocaram-se na passada semana à ponte de S. Marcos, que abriu ao tráfego em 2012, alegando pretender reforçar as barreiras à circulação de pessoas, frisando que em Espanha o grau de contágio estava a atingir uma dimensão “preocupante.”

Mas ao que tudo indica, a circulação de pessoas prossegue ao ponto da alcadeza de Paymogo, María Dolores Agustiño, ter já informado a Câmara de Serpa que “ia colocar um contentor metálico no caminho para não passar ninguém.” O autarca de Serpa esclarece que o objectivo não é “segregar ninguém, mas que a saúde da população tem de ser assegurada.”

Castelo de Vide debate-se com problema idêntico. Num comunicado à população datado de 28 de Março, António Pita, presidente da autarquia expressou o estado de alma que se vive na comunidade onde nasceu e está sepultado Salgueiro Maia. “Muitos munícipes têm manifestado o seu protesto pelo facto de circularem em Castelo de Vide cidadãos de nacionalidade espanhola, provenientes de concelhos próximos bastante afectados pela Covid-19 e que se abastecem no comércio local autorizado para estar aberto.”

O autarca deu ainda conta que “nos últimos dias viajaram até aqui cidadãos nacionais sem residência permanente no concelho mas com segunda habitação.”

Confrontado com a dimensão do fenómeno, António Pita pediu calma aos munícipes, vincando que a nova e inesperada realidade “não pode infectar os nossos valores e princípios e não podem criar situações de hostilidade e de repulsa, verbal, nas redes sociais ou por qualquer outra forma, entre pessoas e entre países.” Perante o risco de alguma instabilidade social, o autarca salienta que é o tempo para a “afirmação dos valores em que se alicerça a humanidade e a fraternidade em prol da união contra uma doença que é universal.”

Para superar a “grande preocupação e receios que estas situações provocam na população” e “na impossibilidade de criar uma redoma impenetrável em volta do concelho de Castelo de Vide”, o autarca só vislumbra uma forma de garantir a total protecção das pessoas: “Mantenham o isolamento total. Fiquem em casa.”

E lembra a situação espanhola que “demonstra bem a sentença de morte involuntária que se verificou em terras do interior em pessoas idosas e desprotegidas, que foram infectadas por habitantes de Madrid e dos grandes centros urbanos” e que pode ter um paralelismo em Portugal com a deslocação de pessoas dos grandes centros urbanos do litoral. Aos “amigos da nossa terra, não nos visitem nesta Páscoa. NÃO PODEM VIR! E apelamos a TODOS os munícipes residentes que demovam os familiares e amigos desse propósito”, apela a autarquia

Dilema semelhante tira o sono a António Simão, presidente da Junta de Freguesia de Póvoa e Meadas, distanciada cerca de 15 quilómetros da povoação espanhola de Valência de Alcântara que registava nesta quarta-feira 41 infectados e quatro mortos. Num pedido “encarecido” à população, pediu que informassem a autarquia quando “chegam à aldeia pessoas provenientes do estrangeiro e mesmo de outros pontos do país.”

O seu maior problema localiza-o nas pessoas vindas de Lisboa e Setúbal. “Crava-se cá tudo e dão cabo do ambiente porque não têm cuidado nenhum com os que cá estão. Chegam a vir de noite para ninguém os ver”, protesta o autarca, em declarações ao PÚBLICO, explicando que encontrou um meio para minorar os riscos de contágio. “Às pessoas que vêm de fora, meto-as de quarentena”, justificando a medida com o elevado número de idosos que vivem na freguesia. O lar que existe na terra está fechado e as funcionárias “estão lá dentro 15 dias e revezam-se com outras que estão de quarentena em casa para as substituir.”

Perante o risco que enfrenta a população, António Simão não vê outro caminho e faz um apelo em tudo idêntico ao lançado pelo autarca de Castelo de Vide: “Não venham à aldeia no período da Páscoa. Gostamos de as ter por cá mas nesta altura não convém.”

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