Edifício dos irmãos Mateus no Porto alterado sem conhecimento dos arquitectos

Os arquitectos do projecto original do Centro de Sangue e Transplantação não foram contactados sobre as alterações e consideram que a sua obra está a “ser adulterada”.

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Adriano Miranda

As obras no Centro de Sangue e Transplantação do Porto começaram a 23 de Setembro de 2019 e e deveriam terminar no final deste mês. Segundo o Instituto Português do Sangue e Transplantação (IPST), o objectivo é a “integração da área de transplante, sita anteriormente no Hospital de S. João, no edifício da área do sangue”. Mas a empreitada começou sem que quem fez o projecto original tenha podido pronunciar-se sobre as alterações.

O edifício é da autoria dos irmãos Nuno e José Mateus, que ganharam o concurso público em 1999. A sua construção terminou em 2004. Nuno Mateus ficou muito “confuso” quando começou a receber imagens de obras no Centro, enviadas por colegas arquitectos que o questionavam. “É estranho como é que um edifício público que tem autores, que não muda de dono de obra, não muda de programa, de repente está a ser intervencionada de uma forma que os autores desconhecem”, afirmou. “Creio que nós enquanto arquitectos e toda a nossa equipa técnica seria aquela que estaria mais habilitada a fazer uma alteração técnica do edifício e, com certeza, conservar as características arquitectónicas e culturais que o edifício entretanto já transporta.”

Quando questionado sobre a falta de consulta prévia do autor, o IPST declarou “questões de urgência imperiosa de resposta.” Por isso, “todo o desenvolvimento do caderno de encargos foi elaborado com os recursos técnicos do IPST.”

De acordo com o artigo 60º do Código do Direito do Autor e dos Direitos Conexos, o dono da obra não pode “durante a construção nem após a conclusão, introduzir nela alterações sem consulta prévia ao autor, sob pena de indemnização por perdas e danos.” Contudo, a indemnização em causa só se apresenta viável na falta de consulta prévia ao autor do projecto e nada tem que ver com a concordância ou não do mesmo em relação às alterações. Após a consulta prévia, caso o arquitecto não concorde com essas modificações, o dono de obra pode executá-las na mesma. Nesse caso, se quiser, o arquitecto pode renunciar à paternidade do projecto, impedindo o dono de invocar o seu nome.

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Centro de Sangue e Transplante do Porto. Adriano Miranda

Do ponto de vista de Nuno Mateus, esta é uma obra sua que está a “ser adulterada”. O arquitecto não coloca de parte a possibilidade de pedir indemnização. “Gostávamos de ser nós a fazer todas as alterações enquanto formos vivos e o programa for o mesmo”.

Para além disso, pretende levantar um processo disciplinar ao arquitecto envolvido nas alterações. Segundo o Estatuto da Ordem dos Arquitectos, “na transmissão, substituição, participação ou intervenção em projectos ou obras de outrem”, não deverá aceitar o trabalho sem notificar previamente o autor original e, “desejavelmente”, obter o seu consentimento.

 Este foi o primeiro centro de sangue e transplantação em Portugal. O edifício foi incluído em vários roteiros, como por exemplo o Open House Porto, na primeira edição em 2015 e novamente em 2017. “Numa cidade que tanto venera a arquitectura, tem tão bons exemplos e bons profissionais, nós ficamos estupefactos com esta forma de fazer as coisas”, conclui Nuno Mateus. 

Texto editado por Ana Fernandes

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