FIFA reclama “passo atrás” que antecipa choque com a UEFA

Infantino apela a sacrifícios no calendário para que provas como o Mundial de clubes possam gerar os dividendos que alimentam a indústria.

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Reuters/Yves Herman

No futebol como na vida, não há almoços grátis. O recente adiamento do Campeonato da Europa para 2021 foi, em parte, alcançado graças à flexibilidade da FIFA, que aceitou protelar também o Mundial de clubes para o final desse ano, mas o organismo que é liderado por Gianni Infantino espera agora alguma reciprocidade. “Estou certo de que todos estarão dispostos a dar um passo atrás, como nós demos”, afirmou, em entrevista ao jornal italiano La Gazzetta dello Sport.

O recado, em larga margem, é dirigido à UEFA, que torceu várias vezes o nariz ao novo formato do Campeonato do Mundo de clubes (a partir do próximo ano, com 24 equipas) e cujo calendário actual depende muito, do ponto de vista financeiro, do sucesso da Liga dos Campeões. Infantino, de resto, aproveitou o momento para puxar dos galões e dar conta da transversalidade dos efeitos da actividade da FIFA

“Só nós fazemos solidariedade mundial”, sublinha. “O Campeonato do Mundo e o Mundial de clubes são a única fonte de receitas para a maioria das federações. Sem estes torneios, em muitos países não existiriam campeonatos, nem formação, nem, futebol feminino, nem relvados. Adiar o Mundial de clubes provoca perdas de largos milhões à FIFA e a todas as federações”.

Infantino não quantifica, especialmente porque há ainda poucas certezas quanto ao real envelope financeiro que advirá da realização do novo Mundial, já em formato alargado. O que é seguro afirmar, por esta altura, é que as projecções milionárias do presidente da FIFA estão (ainda) longe de se concretizarem. 

Isto porque, como adiantou o Financial Times no início do mês, as negociações com os japoneses do SoftBank para uma injecção 25 mil milhões de dólares na prova, a prazo, não terão chegado a bom porto. Posteriormente, o organismo que rege o futebol mundial terá iniciado contactos com o grupo CVC Capital Partners, mas a parceria também não avançou, obrigando, segundo o jornal, Infantino a oferecer mais garantias e a dar uma espécie de carta verde a futuros investidores para procederem a eventuais alterações em posteriores edições do torneio.

Ora, este cenário não terá agradado a algumas confederações, com a UEFA à cabeça, pelo que se impõe alguma diplomacia extra para reajustar os calendários competitivos na totalidade. “Falaremos com todos, confederações, federações, Ligas, clubes, jogadores”, assegura Infantino, antes de deixar um alerta: “O futebol arrisca-se a entrar em recessão. Temos de fazer uma avaliação do impacto global da crise”.

Nesta perspectiva, inflacionar as receitas de uma prova que, até à data, só tem conhecido real interesse competitivo na final (e nem sempre) e que em 2018 rendeu 36,8 milhões de dólares (em 2015 tinha-se ficado pelos 20,5 milhões) é uma prioridade para os dirigentes da FIFA, que ao mesmo tempo que aumentam a carga de jogos no torneio reclamam um abrandamento noutras frentes.

“Não sabemos quando regressaremos à normalidade, mas temos de olhar para as oportunidades que se nos oferecem. Talvez possamos reformar o futebol mundial dando um passo atrás. Com formatos distintos, menos torneios, mas mais interessantes. Talvez com menos equipas, mas mais equilibrados Menos jogos para proteger a saúde dos jogadores, mas mais competitivos. Isto não é ficção, falemos... Quantifiquemos os danos, vejamos como supri-los, façamos sacrifícios e recomecemos”.

Entre o rol de sacrifícios encontram-se os campeonatos nacionais e as provas europeias de clubes das épocas 2020-21 e 2021-22. Até porque o agora Euro 2021, em formato descentralizado, ocupará justamente os meses que estavam destinados a um Mundial de clubes que havia sido prometido aos patrocinadores como um produto “premium”, para se vender no prime time da temporada. 

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