Coronavírus: Economistas pedem títulos de dívida comunitários para enfrentar crise

Um grupo internacional de economistas e académicos, que inclui quatro portugueses, apela ao Conselho Europeu a emissão de títulos de dívida comunitários para “salvar a zona euro”.

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A carta aberta apela a uma resposta conjunta por parte da UE Reuters/KAI PFAFFENBACH

Numa altura em que as fronteiras de alguns países se fecham por acordo, para tentar conter a propagação da pandemia covid-19, cerca de 300 académicos e economistas europeus juntam-se para um aviso que é também um apelo: ou a União Europeia (UE) prepara uma resposta conjunta ou a consequência da crise causada pelo coronavírus pode ser a destruição da zona euro. O aviso é feito numa carta aberta dirigida ao Conselho Europeu, órgão que integra todos os chefes de Estado e de Governo dos países da UE, e que propõe a criação de títulos de dívida comunitários, conhecidos por eurobonds ou “obrigações de estabilidade”.

O grupo de economistas e académicos internacionais ― que integra nomes como Mark Blyth, Thomas Piketty, Gabriel Zucman, Giovanni Dosi, Alan Kirman, Jean Paul Fitoussi ― conta com quatro portugueses: Francisco Louçã; Marina Costa Lobo; Amílcar Moreira; e Miguel Lebre de Freitas, fazem parte da lista.

A advertência para o potencial de destruição da união monetária que esta crise encerra é feita logo na primeira linha da carta conjunta: “A crise da covid-19 pode destruir a zona euro”. A partir dessa premissa, lançam-se os argumentos. “O Banco Central Europeu afirmou que faria o que for necessário. Indicou que poderia usar as políticas monetárias necessárias e que financiaria e apoiaria o esforço orçamental”, lembram os signatários, no mesmo dia em que a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, garantiu que o BCE “está ao serviço dos cidadãos europeus”. Lagarde afirma que este é um período de “choque económico extremo”, cujo resultado será uma contracção considerável da economia da zona euro. A presidente do BCE reconheceu, por isso, a necessidade de uma “resposta ambiciosa, coordenada e urgente”.

“Nenhum Estado-membro deveria ter que recorrer a um bail-out ou assinar um novo memorando para acesso a fundos de emergência”, considera o grupo. Por ser “uma crise europeia, exige uma solução europeia”, acrescentam os signatários.

Por isso, o grupo de académicos defende que se emitam títulos de dívida comunitários para mutualizar os custos orçamentais no combate à crise. “É tempo de solidariedade. É tempo de eurobonds”, conclui a carta.

Como nota Marina Costa Lobo, doutorada em Ciência Política pela Universidade de Oxford, apesar da pandemia se alastrar a países ricos e pobres, “as consequências arriscam-se a ser muito assimétricas”. Ao lado de Itália, a economia portuguesa é uma das que mais poderá perder num cenário de crise económica, avisa.

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Marina Costa Lobo avisa que as consequências da crise económica serão também políticas e sociais Nelson Garrido

Mais do que consequências económicas, a ausência de uma resposta clara e forte da UE trará “consequências sociais e políticas” para o projecto europeu e para as democracias nacionais. “Vimos isso com a crise de 2008 e com o consequente surgimento de movimentos populistas. É um cenário que se tenderá a repetir se a UE não souber proteger as pessoas”, analisa a investigadora, em conversa com o PÚBLICO. Com a crescente descredibilização da capacidade de resposta de Bruxelas, “as pessoas vão procurar outras soluções”, alerta a politóloga.

No entanto, ao contrário da crise de 2008, este “é um choque simétrico e para o qual não há culpas”. Também por isso e por não existir uma “lição moral” a ser aplicada às instituições económicas e financeiras, deverá existir uma maior abertura por parte da União Europeia para uma resposta às economias dos países.

Para Marina Costa Lobo, a mudança no tom de Christine Lagarde – que inicialmente afastou o BCE da linha da frente de resposta – surge como tentativa de corrigir as consequências que as suas declarações tiveram nos mercados, mas pode também revelar alguma abertura para esta solução.

Francisco Louçã, antigo dirigente do Bloco de Esquerda, também concorda com a interpretação. Ao PÚBLICO, Louçã antecipa um cenário pouco animador e alerta que “os efeitos estruturais desta crise na economia serão mais profundos que os da crise de 2008”. “Os custos estão longe de ser concebíveis”,mas terão efeitos no emprego, salários e na capacidade produtiva, enumera o também membro do Conselho de estado. Preparar respostas é por isso “uma urgência” e os eurobonds são “a solução mais à mão”.

“Ou as economias europeias fazem um esforço de recuperação, com subsídios sociais, de desemprego, com apoios de investimento e linhas de crédito e aceitam a contrapartida de um financiamento mais caro e disparar do défice - e isso levá-las-ia a novos programas de austeridade -, ou encontram uma forma de financiamento comum com medidas excepcionais que reduzam o juro”, aponta o economista. 

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O economista português desafia Bruxelas a quebrar o tabu em torno da emissão de dívida comum Daniel Rocha

Esta é uma matéria em que é possível ver uma figura destacada do Bloco de Esquerda e o governador do Banco de Portugal (BdP), Carlos Costa, do mesmo lado. Num artigo de opinião publicado esta sexta-feira no Jornal Económico, Carlos Costa escreve: “Trata-se de uma situação claramente talhada para o financiamento no plano comunitário, na medida em que não existe risco moral e o interesse é comum”. Para o governador, a pandemia traz “desafio comum, o financiamento do esforço necessário para a resposta sanitária e para as políticas de apoio à economia em cada um dos Estados-membros deve, por isso, beneficiar de medidas inovadoras e de carácter excepcional”.

Para Francisco Louçã, a posição de Carlos Costa, indica que “a discussão no BCE desequilibrou os opositores tradicionais”. O economista lembra também que esta semana, pela primeira vez, Angela Merkel quebrou o tabu e admitiu a emissão de dívida comum. "Nas lideranças europeias, há a percepção que uma recessão económica e uma tensão na dívida pode pôr em causa o euro”, avisa. E uma saída de Itália da zona monetária pode ser fatal para o euro. 

Há outras soluções? “Há”, admite Francisco Louçã, mas causarão défice orçamental. E com uma segunda vaga de medidas de austeridade “as consequências sociais também serão desastrosas”. “É o mesmo que dizer que a UE não existe e não responde aos problemas das pessoas e da economia”, considera o economista.

O governador do BdP defende ainda que o Estado deve conceder garantias aos bancos para que estes possam continuar a emprestar dinheiro às empresas e às famílias afectadas pelos efeitos económicos da pandemia. “É absolutamente fundamental que o sistema financeiro, e em particular os bancos, mantenham activas as linhas de crédito, continuem a aprovar novos empréstimos e estejam disponíveis para aceitar moratórias no pagamento de juros e amortização de capital e para estender os prazos dos créditos concedidos”, argumenta no seu artigo.

Para Carlos Costa, que tem assento no conselho de governadores do BCE, em Frankfurt, só a garantia de liquidez e uma resposta conjunta servirão como “musculatura suficiente para atravessar este rio de dificuldades, e retomar a marcha normal, isto é, recuperar o potencial de produção anterior à crise”.

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