Empreendimento de hotel na Praia da Memória está embargado mas obras continuam

Promotor diz ter sido apenas notificado para se pronunciar e por isso não pára os trabalhos. Na sequência do despacho do Ministério do Ambiente, autarquia diz que irá recorrer dos meios ao seu dispor para executar embargo.

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Nelson Garrido

O Ministério do Ambiente declarou nula a licença de construção do hotel que está a ser construído na Praia da Memória, mas a obra não parou. Apesar de na semana passada a câmara de Matosinhos ter anunciado o embargo do empreendimento, o promotor do investimento diz não ter recebido qualquer notificação nesse sentido, tendo sido apenas “chamado a pronunciar-se”. O responsável pela obra diz que, até nota “em sentido contrário”, as máquinas “não vão parar” e os trabalhos no areal, a cerca de 100 metros do mar, decorrerão dentro da “normalidade”.

O despacho assinado pelo ministro do Ambiente, divulgado há dias, conclui que “o terreno de construção está incluído na Reserva Ecológica Nacional (REN)”. Por isso, o licenciamento para a construção do referido empreendimento é considerado “nulo”. Esta conclusão é resultado do pedido de averiguação ao processo de licenciamento pedido por João Pedro Matos Fernandes à Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território (IGAMAOT) após contestação gerada por parte de alguns munícipes relativamente à construção do hotel.

Em 2017, quando a obra foi licenciada, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), tutelada pelo ministério, e a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) não tiveram a mesma leitura e deram pareceres favoráveis para a autarquia - à data liderada por Eduardo Pinheiro, agora secretário de Estado da Mobilidade no ministério encabeçado por Matos Fernandes -, dar luz verde ao início dos trabalhos.

Eduardo Pinheiro tinha herdado este dossier de Guilherme Pinto - presidente que substituiu depois do seu falecimento em Janeiro de 2017. Porém, o processo é muito mais antigo. Desde 1992, altura em que foi gizado o Plano Director Municipal (PDM) - revisto em Agosto do ano passado - era Narciso Miranda presidente (agora é vereador da oposição), já se previa para aquele local a construção de um empreendimento turístico. Mas, em 2004, ainda debaixo da mesma liderança, o Pedido de Informação Prévia (PIP) para construção de unidade industrial hoteleira naquela área é indeferido por parecer desfavorável da CCDR-N.

Três anos mais tarde, já com Guilherme Pinto à frente da autarquia, é aprovado por unanimidade em reunião do executivo a elaboração do Plano Municipal de Ordenamento do Território que incide sobre a Faixa litoral Pampelido-Memória-Cabo do Mundo, de forma a ser materializada uma zona de equipamento para unidade hoteleira com alojamento. Nessa altura, Luísa Salgueiro, agora presidente da câmara, era vereadora.

A autarca, em Outubro do ano passado, dizia ao PÚBLICO que, ao contrário da data em que foi passada a licença de construção, à luz da revisão do PDM, depois de Agosto de 2019 já não seria possível licenciar a obra. Porém, quando foi dado o aval para a construção do empreendimento não existia nenhum impedimento legal para o fazer. Em Dezembro, com base no mesmo princípio, um dia depois de Matos Fernandes ter pedido a averiguação à IGAMAOT, dizia não existir “fundamentação jurídica” para travar a obra que tinha o parecer favorável da APA e da CCDR-N.

Face ao despacho do Ministério do Ambiente divulgado na semana passada, a autarquia decidiu anular o “acto de licenciamento”, devendo o proprietário agora “repor o terreno na situação original”. A câmara recuou, mas não assume responsabilidades no caso. Em comunicado que chegou à imprensa na semana passada lê-se: “O relatório final da inspecção ao licenciamento, promovido pela IGAMAOT conclui de forma clara que a Câmara de Matosinhos agiu com a devida cautela, cumprindo todos os pressupostos processuais a que estava vinculada e proferindo o despacho de aprovação do projecto só após os pareceres obrigatórios e vinculativos emitidos pela CCDR-N e APA, entidades que tutelam, no âmbito das suas atribuições, o regime jurídico de REN e dos recursos hídricos, para além do cumprimento das regras urbanísticas”. A autarquia diz ainda ter praticado “todos os actos que lhe eram exigíveis”.

CCDR-N continua a não falar

No despacho anteriormente citado, Matos Fernandes parece discordar, afirmando que APA e câmara deveriam “ter agido com maior cautela neste processo” e aponta o foco para a CCDR-N por ter defendido que “o terreno havia sido excluído da REN”. Contactada pelo PÚBLICO, a CCDR-N continua a não querer comentar a reprimenda de Matos Fernandes.

A autarquia, no final da semana passada, afirmou ter notificado o promotor e embargado a obra. Mário Ascensão, promotor do empreendimento da responsabilidade da BB — Sociedade Imobiliária, ao PÚBLICO diz apenas ter recebido uma notificação a convidá-lo a pronunciar-se sobre o despacho, não existindo qualquer referência ao embargo. Por isso, diz que as obras não pararam, “nem vão parar”, até ser notificado nesse sentido. “Não houve nenhum embargo. Se houvesse não seria louco para não parar os trabalhos”, atira.

A autarquia, por e-mail diz-nos ter notificado o promotor “na passada sexta-feira, dia 13 de Março, via postal e na segunda-feira, dia 16 de Março, pessoalmente”, confirmando tê-lo notificado no sentido de se “pronunciar em sede de audiência prévia”, o que diz ser obrigatório “nos termos do Código de Procedimento administrativo”. Acrescenta que “o embargo surge na sequência da anulação do acto de licenciamento”. Sendo o licenciamento “constitutivo de direitos”, adianta a câmara que, ao anular o acto, tem que “dar oportunidade ao promotor para se pronunciar, para dizer o que se lhe oferece sobre o assunto”, sublinhando que irá recorrer “dos meios ao seu dispor para executar o embargo”.

Mário Ascensão não se alonga nas declarações, mas diz estar preparado para qualquer desfecho: “Não gosto de enriquecer à conta de erros de outras pessoas. Irei tomar as medidas necessárias para proteger a empresa”.

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