O inferno do coronavírus

Se antes os vírus se propagavam à velocidade do barco a vapor, como é o caso da pandemia da gripe espanhola em 1918, hoje é à velocidade do avião. Em duas horas, o vírus propaga-se para outro país e, em poucas horas mais, para outro continente. Foi exactamente o que aconteceu na multiplicação da covid-19.

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Miguel Manso

A propagação do novo coronavírus está a causar uma redução drástica das emissões globais de gases com efeito de estufa. As três principais razões são: a queda da actividade industrial na China (a que se vão seguir outros países), a redução da procura de petróleo e a diminuição abrupta das viagens aéreas. Só no mês de Fevereiro, as emissões de dióxido de carbono diminuíram 15% na China, a procura global de petróleo recuou para os níveis de 2009 e o tráfego aéreo mundial diminuiu em mais de 4%.

O que interessa isto nos dias que correm? Nada. Já sabemos que quando há um declínio da actividade industrial as emissões de carbono tendem igualmente a cair a pique. E, infelizmente, também sabemos que as interrupções económicas desta magnitude, provocadas por pandemia, são normalmente acompanhadas por perdas humanas. Demasiadas. Não há razão para celebrarmos.

Ainda não fazemos ideia de onde e porque veio a covid-19. Fala-se do mercado de frescos de Wuhan, dos morcegos, dos pangolins. Não fazemos ideia para onde nos vai levar. Mas sabemos que aproximadamente 60% dos emergentes agentes que causam doenças infecciosas em humanos são zoonoses, doenças que passam de animais para humanos. Peste Negra, Gripe das Aves, Ébola e Zika são zoonoses. O novo coronavírus também. Mais do que uma grande preocupação de saúde pública, as doenças zoonoses são sérias ameaças à humanidade.

As viagens, o turismo e o comércio são os principais aceleradores da propagação dos vírus das doenças zoonóticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada mês ocorrem 7000 novos sinais de potenciais focos de doenças. Se antes os vírus se propagavam à velocidade do barco a vapor, como é o caso da pandemia da gripe espanhola em 1918, hoje é à velocidade do avião. Em duas horas, o vírus propaga-se para outro país e, em poucas horas mais, para outro continente. Foi exactamente o que aconteceu na multiplicação da covid-19.

Encontrar a cura vai ser fácil? Rápido? Não se sabe. Mas sabemos que o desenvolvimento de terapêuticas está muito ligado à natureza. Estima-se que existem entre 50 a 70 mil diferentes plantas para aplicação na medicina e que 50% da medicação que tomamos foi desenvolvida a partir de produtos naturais. Produtos esses que vêem a sua produção ameaçada pela perda de biodiversidade.

Então, a ver se percebemos: as recessões económicas, a propagação de pandemias, a perda de biodiversidade e as perdas de vidas humanas podem estar intimamente ligadas às alterações climáticas? A resposta é um grande sim. O fluxo não tem de ser necessariamente este, mas é algo como: as alterações climáticas provocam mudanças na biodiversidade, as pandemias propagam-se, não se encontram matérias-primas para desenvolver as terapêuticas, a população diminui e a economia retrai. O mundo não prospera.

Nestes dias, o Inferno de Dan Brown não me sai da cabeça. No livro, o professor Robert Langdon tenta travar, e consegue, um ataque bioterrorista de um cientista radical que quer resolver o problema da sobrepopulação do mundo. O cientista consegue infectar todas as pessoas do planeta com um vírus que, aleatoriamente, provoca infertilidade a um terço da população. Pura ficção, é verdade, mas estima-se que a Peste Negra tenha matado um terço da população do continente europeu e a gripe espanhola perto de 5% da população global.

Não é tempo para contabilizar as emissões de carbono. É tempo para agirmos com firmeza. Que o medo não nos paralise na luta contra o inferno do novo coronavírus, das pandemias e das alterações climáticas. Que encontremos forças para lutar. Cumpram as recomendações das entidades de saúde e protejam-se.

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