Coronavírus: “É menos perigoso do que a gripe”?!

Não se gerem crises destas com mentiras ou fábulas. A situação exige verdade e transparência.

A frase sobre o coronavírus que dá título a este comentário não foi proferida por Donald Trump numa das mais recentes diatribes a propósito da pandemia que assola o mundo. O seu autor chama-se Jorge Torgal e ontem sentou-se ao lado esquerdo da ministra da Saúde para falar em nome do Conselho Nacional de Saúde Pública (CNSP), o organismo que decidiu não decidir sobre o encerramento de escolas.

Hoje o país está à espera que o Conselho de Ministros decida aplicar medidas mais severas que a situação parece impor, mas ontem esteve na mesma situação, na expectativa que o CNSP pudesse decretar uma medida disruptiva, como seria o encerramento de todos os estabelecimentos de ensino

Claro que tinha escusado de perder esse tempo se tivesse lido a curta entrevista de quem apareceu a dar a cara pelo CNSP, Jorge Torgal, que o Jornal de Notícias publicou no dia 28 de Fevereiro. No dia anterior, o director-geral da Organização Mundial da Saúde dizia que a disseminação global da covid-19 tinha entrado num “ponto decisivo”. Já havia 2800 mortos e mais de 82 mil pessoas infectadas em mais de 40 países, mas Jorge Torgal afirmava que havia “um pânico completamente desproporcional à realidade” e “exagero sobre este assunto”, que não sabia “a quem interessa”. Afirmava ainda este professor em saúde pública que “muito mais grave foi o H1N1, com mortalidade muito mais elevada”, quando sabemos que as taxas de mortalidade só poderão ser calculadas de forma precisa no fim de uma epidemia.

Para este especialista, haveria casos em “Portugal, mas isso não é problema nenhum”; muito mais preocupante, na sua opinião, tinha sido a legionela em 2014 e ele não mudara nenhum hábito na sua vida. Para alguém que em 2009 achava que se houvesse uma epidemia séria de gripe A podiam morrer 75.000 portugueses, é admirável o arrefecer de previsões perante o novo coronavírus.

Talvez Jorge Torgal, nesta entrevista, como o CNSP na sua decisão, não queiram alarmar as pessoas e por isso procurem transmitir uma sensação de normalidade perante a sucessão de números e más notícias. Mas é talvez preciso explicar-lhes duas coisas. A primeira é que não se gere crises destas com mentiras ou fábulas. A situação exige verdade e transparência. O risco é que as pessoas percam a confiança nos especialistas, o que numa situação de emergência sanitária é gravíssimo. 

A segunda, que também serve de aviso para o Governo, é que o país não está à espera de doutas decisões dos comités de sábios. Elas são necessárias, imprescindíveis até, se queremos encontrar uma saída satisfatória para sair desta crise, mas, se demorarem muito, um dia destes estão a fazer proclamações para um país fechado que, com toda a razão, não subscreve a opinião de que isto seja “menos perigoso que a gripe”.

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