A Turquia e o Manchester City

O Manchester City irá, seguramente, procurar apoiar-se nesta decisão do TEDH sobre o caso Ali Riza para tentar invalidar a condenação de que foi objecto.

Ali Riza era um jogador profissional de futebol turco que, invocando salários em atraso, abandonou o seu clube Trabzonspor Kulübü Derneği e foi viver para Inglaterra. O clube processou-o no âmbito da Federação Turca de Futebol (FTF), que, por sua vez, decidiu que Ali Riza tinha terminado o contrato sem fundamento legal e o condenou a pagar cerca de 60.000,00 euros ao clube. Ali Riza tentou recorrer para os tribunais, mas sem êxito, já que a Constituição turca previa expressamente que as questões do futebol eram resolvidas nas instâncias desportivas, não havendo recurso para os tribunais comuns. Riza recorreu então para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), argumentando que tinha sido violado o seu direito a um processo equitativo consagrado no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (convenção) que determina que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei”.
O seu caso tinha sido decidido por um comité arbitral da Federação Turca de Futebol (FTF) que, embora tendo decidido como um verdadeiro tribunal, não o era, já que os seus membros eram escolhidos pelo conselho de administração da FTF, em que os representantes dos clubes eram fortemente maioritários em relação aos representantes dos jogadores, pelo que a decisão que o condenara não tinha sido imparcial.
O TEDH começou por examinar se existiam salvaguardas suficientes para garantir que os membros do comité arbitral cumpriam as suas funções com o nível de independência exigível. E concluiu que não só eram escolhidos pelo conselho de administração em que eram maioritários os representantes dos clubes, como existiam uma série de fortes laços organizacionais e estruturais entre o conselho de administração e o comité arbitral. Embora não implicando uma relação hierárquica entre os dois órgãos, tais laços indicavam um nível significativo de influência do conselho de administração sobre o comité arbitral. Para além disso, os membros do comité arbitral eram, em geral, juristas que não obedeciam a quaisquer regras deontológicas profissionais específicas, nem prestavam qualquer juramento ou faziam qualquer declaração solene antes de iniciarem o exercício das suas funções.
E, face a tais deficiências estruturais do comité arbitral e ainda devido aos vastos poderes atribuídos ao conselho de administração sobre a sua organização e operação, o TEDH considerou que Ali Riza tinha uma razão legítima para duvidar que os membros do comité arbitral tivessem decidido o seu caso com a independência e a imparcialidade exigíveis a um tribunal, dada a falta de salvaguardas adequadas para os proteger contra pressões externas, em especial do conselho de administração. E, no passado dia 28 de Janeiro, o TEDH decidiu que a Turquia violara o artigo 6.º da convenção no caso de Ali Riza.
Esta decisão do TEDH, relevante em termos de defesa dos direitos dos jogadores e da legalidade no mundo do futebol turco, poderá agora tornar-se um argumento a favor do Manchester City no conflito existente com a UEFA. O Manchester City, na sequência das revelações feitas pela revista alemã Der Spiegel no âmbito do Football Leaks, foi, na passada sexta-feira, afastado das competições europeias pelas próximas duas épocas (2020-2021 e 2021-2022) e multado em 30 milhões de euros por graves violações das regras do fair play financeiro entre os anos de 2012 e 2016 — falta de transparência/ocultação na entrada de 140 milhões de euros nas contas do clube com origem nas empresas do proprietário do Manchester City, o xeque Mansour bin Zayed Al-Nahyan dos Emirados Árabes Unidos.
A decisão foi tomada pela câmara adjudicatória do Comité de Controlo Financeiro de Clubes da UEFA (CFCB), presidida pelo nosso ex-procurador-geral Cunha Rodrigues, e o Manchester City já anunciou que irá recorrer desta decisão tomada por um órgão que invoca não ser independente nem imparcial. Irá, seguramente, procurar apoiar-se nesta decisão do TEDH para tentar invalidar a condenação de que foi objecto, mas não é certo que lhe seja útil já que há uma enorme distância entre o comité arbitral turco e a câmara adjudicatória do Comité de Controlo Financeiro de Clubes da UEFA em termos de independência e imparcialidade. Uma novela para os próximos anos...

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