O mistério de se chamar Egypton

Há um poema de Wislawa Szymborska que diz assim: “É bela essa certeza mas a incerteza/ é ainda mais bela.”

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Gregory Adams/Getty Images

O meu avô chamava-se Egypton e eu nunca conheci outro avô com um nome igual. Nem avô, nem ninguém. Chamava-se Egypton e até hoje — já o meu avô não está cá comigo — ninguém na minha família sabe bem porquê. É um nome cheio de segredos, os anos foram passando e as perguntas foram ficando por fazer. Ou foram feitas, mas tiveram meias respostas.

Volta e meia, meto “Egypton” no Google, mas nada, não aparece nada. A minha bisavó dizia que tinha ido buscar o nome a um livro que leu, mas ninguém sabe que obra era essa. Terá dito que era um romance e que uma das personagens se chamava assim. Ninguém sabe se essa versão é verdadeira, mas a resposta que deu ao mistério esvaziou outras perguntas.

A minha bisavó fugiu de uma aldeia, perto de Viseu, para ir para Lisboa fazer teatro. Chamava-se Márcia e escolheu para nome artístico Márcia Bela. Fez duas digressões ao Brasil e das duas vezes terá regressado grávida a Portugal. A um filho chamou António, tocava piano, a outro Egypton, tocava guitarra portuguesa. Mais uma vez, até hoje, ninguém na minha família sabe quem foi o pai. Ou os pais. Fala-se num maestro. O Brasil, as viagens, a música. Talvez sejam pistas para o misterioso nome.

Já me disseram que, recuando no tempo, era vulgar haver enganos na hora dos registos. Mas nessa eu não acredito. Alguém se ia enganar e registar o nome Egypton? Era preciso ter-se muita imaginação, meter um y lá pelo meio... Não, na tese do engano não acredito.

A verdade é que, além de umas pesquisas no Google e de umas interrogações em casa, nunca me pus a investigar a sério a origem do nome. No fundo, talvez goste da ideia do mistério. Egypton está cheio de possibilidades de ficção. Um romance em aberto.

O meu avô relacionou-se com três mulheres e teve três filhos, um de cada uma. Os dois últimos, o meu pai e a minha tia, com uma escassa diferença de meses e uma certa confusão à mistura. Cresceram na mesma rua, damo-nos todos lindamente. O meu avô Egypton fez jus ao nome e deixou muitas histórias para contar. Ou por contar.

Lá em casa, ponho-me a arrumar os discos que foram dele. Muitos estão autografados, guitarristas de quem era amigo. Alguns enganaram-se e escreveram “para o meu amigo Egipton”. Pego no lapso e tento o Google novamente: Egipton, sem o y. Nada. A Internet devolve-me o mesmo silêncio de anos. Só me aparecem entradas sobre o Egipto. Às vezes também chamavam Sr. Egipto ao meu avô.

Volta e meia, tomo a decisão de investigar isto tudo, de onde veio o nome, onde fez a minha bisavó teatro, quem era afinal o meu bisavô incógnito, sendo que o meu outro bisavô, o que perfilhou os filhos da minha bisavó Márcia Bela e que me deu o Lopes, esse já sei quem foi.

Sempre, porém, que decido que vou meter a mão na massa e pesquisar, acabo presa ao enigma. Talvez tenha receio de que, se souber a história toda, fique sem história para contar. Há um poema de Wislawa Szymborska, do qual me aproprio livremente, que diz assim: “Estão ambos convencidos/ de que uma súbita paixão os uniu./ É bela essa certeza mas a incerteza/ é ainda mais bela.”

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