Contas por pagar e casas vazias: famílias das vítimas do avião abatido pelo Irão retomam as suas vidas

Os familiares dos passageiros da aeronave abatida pelo Irão no mês passado lutam no Canadá contra os desafios diários que surgem na preparação de um funeral a longa distância.

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Meisam Salahi no jardim de sua casa, em Richmond Hill, Ontário, Canadá Reuters/CARLOS OSORIO

A 8 de Janeiro, o Irão abateu por engano o Boeing 737 da Ukrainian International Airlines. No desastre morreram 176 pessoas, 57 das quais canadianos. O Governo canadiano anunciou que 138 pessoas tinham o Canadá como destino final da viagem.

O irmão mais novo de Meisam Salahi, Mohsen, e a sua cunhada, Mahsa Amirliravi, eram dois dos passageiros que seguiam no voo. Salahi, de 34 anos, quer devolver o carro do irmão ao concessionário onde foi feito o leasing, tratar dos pagamentos do empréstimo do casal e cobrar as rendas aos inquilinos. No entanto, sem os certificados de óbito – às vezes atrasados no caso de desastres de aviação enquanto as autoridades identificam os restos mortais – a tarefa tem sido complicada. “Tecnicamente, no Canadá ainda está vivo”, disse Salahi. “Nem sequer sei quantas contas vou ter de pagar.”

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Na sua casa em Ontário, Canadá, Meisam Salahi olha para a fotografia do irmão mais novo, Mohsen, e da sua cunhada, Mahsa Amirliravi. O casal estava no voo abatido pelo Irão por engano. Reuters/CARLOS OSORIO

Muitos dos familiares mais próximos das vítimas estão no Irão, dando à família e aos amigos no Canadá pouca capacidade para tratar das propriedades das vítimas.

Para Amirali Alavi, que perdeu a mãe no acidente, a viagem até ao Irão depois do desastre incluiu um salto a Washington para tratar de documentação no consulado iraniano que levou a uma provação de quatro horas na fronteira norte-americana. Alavi, de 27 anos, conta que ele e o pai foram detidos para interrogatório por agentes fronteiriços até ser autorizado a passar às duas de madrugada. A passagem não foi autorizada ao pai, que regressou a pé para o Canadá, enquanto Alavi conduziu sozinho até Washington.

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Pontas de cigarro no alpendre da casa de Meisam Salahi. Reuters/CARLOS OSORIO

Passaram-se quase duas semanas até que pudesse trazer de volta os restos mortais da mãe. “Ainda nem sequer começamos a lidar com as consequências”, acrescentou Alavi. “As últimas duas semanas têm sido muito difíceis emocionalmente e, ao mesmo tempo, todo o trabalho que temos tido não nos tem deixado muito tempo para pensar em tudo o que temos para tratar no Canadá”.

Amirali Alavi, que perdeu a mãe, de Neda Sadighi, no acidente do avião ucraniano, ao junto ao pai, Farzad Alavi. Reuters/CARLOS OSORIO
Amirali Alavi e o pai, Farzad Alavi, num memorial em homenagem às vítimas em Toronto, Canadá. Reuters/CARLOS OSORIO
Farzad Alavi não foi autorizado a entrar nos Estados Unidos quando seguia de carro com o filho até Washington. Regressou para o Canadá a pé enquanto Amirali seguiu viagem. Reuters/CARLOS OSORIO
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Amirali Alavi, que perdeu a mãe, de Neda Sadighi, no acidente do avião ucraniano, ao junto ao pai, Farzad Alavi. Reuters/CARLOS OSORIO

Grupos de defesa da imigração têm criticado as detenções de iranianos na fronteira canadiana no rescaldo do ataque que vitimou o general iraniano Qassem Soleimani a 3 de Janeiro. Um representante do Departamento de Alfândegas e Protecção Fronteiriça dos EUA recusou comentar o incidente de Amirali Alavi, alegando leis de privacidade, mas declarou que as alegações de que a agência tem detido cidadãos iranianos com dupla nacionalidade por causa do país de origem são falsas.

Mais de 100 trabalhadores do governo canadiano estão a prestar apoio às famílias ligadas ao Canadá em vários processos, desde a gestão das amostras de ADN, passando pelo repatriamento de corpos até à obtenção de conselhos legais e de vistos, segundo Omar Alghabra, o membro do Parlamento Canadiano encarregue de fazer a ligação com as famílias.

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Meisam Salahi, em sua casa, segura uma fotografia do irmão e da cunhada. Reuters/CARLOS OSORIO

Numa manhã fria de domingo de Janeiro, uma mesquita a norte de Toronto realizou o serviço fúnebre por Sahar Haghjoo, de 37 anos, e pela sua filha de 8, Elsa Jadidi.

A entrada ostentava uma fila de bandeiras canadianas. Dentro da mesquita, centenas de enlutados viam fotografias a passar num ecrã. Mostravam Elsa em bebé a segurar um pé e depois, mais velha, a dar um beijo na bochecha do pai. Numa foto segurava um cone gigante de gelado, e um trabalho da escola em outra.

Uma última fotografia mostrava a criança sentada com a mãe no avião, nos últimos minutos das suas vidas. Em lágrimas, o avô Habib Haghjoo dizia não desejar o que aconteceu ao seu pior inimigo: “Isto é insuportável”.