Quem nos ensina a viver?

Fiz as pazes com os meus supostos “erros de percurso”. Tudo faz parte do caminho. Por vezes, precisamos de enganar-nos para ficar a saber que não é por ali. Testar, experimentar e explorar. E se não resultar? Não tem problema, tenta-se de novo. Praticamente todos os génios que admiramos erraram.

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Paola Chaaya/Unsplash

A ideia de “para sempre” sempre foi algo que me assustou, confesso. Crescemos a ouvir as histórias dos nossos avós, casados há 50 anos e que, ao longo desse período, mantiveram sempre o mesmo emprego. Nada contra. Porém, esta aparente monotonia aborrecia-me. Fazia-me sentir que existia pouca margem para fazer experiências, testar novas realidades. Parecia que, uma vez tomada a decisão, já não havia hipótese de voltar atrás. “Tens de aguentar”, lia eu nas entrelinhas. Quanto mais estável e previsível a vida fosse, melhor. Sem surpresas, inesperados ou imprevistos, tudo igual, tudo na mesma. Assumindo que algum dia fez, será que isto ainda faz sentido?

Inconscientemente, queria seguir os passos das gerações anteriores: ter uma vida estável, assentar e não dar muita conversa ao desconhecido. Pareciam-me as pisadas mais óbvias, até que tentei pôr este plano em marcha e não consegui. Tirei uma licenciatura que não fugisse muito ao considerado “normal”. Arranjei um emprego estável, com contrato e que pagasse a tempo e horas. Era o cenário ideal, caso estivesse em plenos anos 50 — o que não era o caso. Tinha conquistado a tão aclamada estabilidade e, em vez de me sentir como o alpinista que atingiu o cume, via-me a ser arrastado por uma avalanche de estagnação. Foi aí que decidi “estragar” tudo, no melhor sentido da palavra. Teve de ser.

Comecei a saltitar de trabalho em trabalho. Não por ser preguiçoso, mas sim por discordar dessa ideia de esforço doloroso que tanto gostamos de associar às profissões. Estava cansado de viver para o fim do mês, de falar mal dos chefes e de odiar o primeiro dia da semana. Era um ciclo tão repetitivo e infértil, não acrescentava nada. “Isto não faz sentido nenhum”, sussurrava eu tantas vezes, sentado em cima de quatro rodas, enquanto navegava pelo asfalto das lamentações.

Fui a tantas entrevistas que já sabia as perguntas de cor: “Quais são os seus pontos fortes?”, “Onde se vê daqui a dez anos?, “Considera-se um líder?”. Apesar da quantidade, houve uma que marcou a diferença. Estávamos frente a frente, com o meu currículo entre nós. Cheio de anotações e rabiscos, eu só pensava “O que será que vem daqui?”. Após fazer um resumo do meu percurso, obtenho a seguinte reacção: “Já vi que o Manuel é um salta pocinhas”. Já fiz muita coisa, é verdade. Ainda assim, naquele instante, o adjectivo utilizado veio num tom de julgamento, quase como se eu fosse um irresponsável desmesurado, incapaz de assentar num lugar e ficar sossegadinho. Como seria de esperar, não aceitei o cargo e saltei para a poça seguinte.

Durante algum tempo, aquele episódio fez-me questionar o meu comportamento. Será que sou indeciso? Estou a ser inconsequente? Sou instável? Procurava respostas que me ajudassem a encaixar na monotonia vigente. Sempre que começava um trabalho novo, já nem os meus amigos me levavam a sério. Era brincadeira, eu sei. Ainda assim, todo este preconceito à volta do “salta pocinhas” deixava-me inquieto e, de certa forma, triste. É assim tão estranho querer despir um lugar que já não me serve?

Fiz as pazes com os meus supostos “erros de percurso”. Tudo faz parte do caminho. Por vezes, precisamos de enganar-nos para ficar a saber que não é por ali. Testar, experimentar e explorar. E se não resultar? Não tem problema, tenta-se de novo. Praticamente todos os génios que admiramos erraram. Houve todo um processo de tentativa-erro que nem sequer imaginamos. Sentiram-se frustrados, desesperados e com vontade de desistir. No entanto, essas falhas não os impediram de continuar a tentar. Muitos desses aparentes fracassos abriram-lhes as portas a novas conclusões. Ao eliminar aquilo que não funciona, a probabilidade de obter um resultado positivo aumenta. Só assim é possível alcançar grandes feitos.

Já imaginaste que podes estar, neste preciso momento, a passar ao lado do teu caminho? Diariamente, vemos tanto talento a ser desperdiçado. Elefantes a querer trepar às árvores e leões com vergonha do seu rugido. Alguns têm medo de não conseguir; outros, receio do que os outros possam pensar. Assentamos em lugares que não são nossos e, por mais que a frustração e o cansaço gritem, não arredamos pé. Para quê? Para quem? Permanecer em sítios que nos fazem mal não é resiliência, é apenas parvoíce. Se para desvendares a tua vocação tiveres de falhar inúmeras vezes, então erra à vontade. Perde-te, encontra-te, cai e levanta-te, mas jamais te contentes com uma vida que não te deixa contente.

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