E tu, já descobriste o teu propósito?

O nosso propósito de vida é aprender, amar e evoluir. Não precisamos de rotular o motivo da existência para nos sentirmos melhor. Isso já são outras invenções. Como dizia Agostinho da Silva, “o meu plano para o futuro é viver”.

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Evan Dennis/Unsplash

No outro dia, li ​um artigo que falava sobre a idade dos “porquês”. Segundo os especialistas, este questionamento compulsivo inicia-se quando as crianças têm cerca de três anos. Apesar da importância desta fase para o seu desenvolvimento, afirmavam também que, gradualmente, a avalanche de perguntas vai abrandando até que tudo volte ao considerado normal.

No entanto, por experiência própria, eu não sinto que este período termine assim tão depressa, muito pelo contrário. As dúvidas incessantes permanecem, aquilo que se altera é o seu conteúdo. No meu caso, deixei de perguntar porque é que o céu era azul ou de onde vêm as ondas do mar. Estas curiosidades mais triviais foram substituídas por aspectos complexos da condição humana. Um deles, e provavelmente o que me roubou mais tempo, foi a razão do meu existir, imortalizado na célebre questão: quem sou eu e para onde vou?

Durante bastante tempo, eu só queria saber qual o motivo de eu cá andar. Sem uma resposta clara, parecia que a vida não tinha grande sentido. Era como se fosse um móvel do IKEA sem instruções — e eu sem saber por onde começar. Pensava que mais valia estar quieto até que o manual aparecesse, caso contrário a coisa não iria correr bem. Por mais que esticasse o pensamento na tentativa de encontrar uma resposta, nunca conseguia cobrir por completo esta questão.

Mais tarde percebi que não estava sozinho nesta inquietação e que até existia um nome mais pomposo e sofisticado para esta temática. Falaram-me em “propósito” e que eu tinha de descobrir qual era o meu.

É como se esta procura pela razão da nossa existência fossem os Descobrimentos do século XXI, ou uma espécie de pote no final do arco-íris cinzento, onde acreditamos que se esconde uma vida com mais cor. Dizem-nos que a chave para a felicidade está presa a este porta-chaves, só precisamos de encontrar o nosso chaveiro. O facto de parecer tão simples torna esta busca ainda mais apetecível e incontornável.

Como se não bastasse, ainda acordámos que o propósito de vida tinha que ser algo grandioso e marcante. Menos do que mudar o mundo é capaz de ser pouco. Queremos, a todo o custo, ser diferentes, originais e ambiciosos. Por vezes, esta cegueira ofusca-nos e leva-nos a ver propósitos onde eles não existem. Corremos o risco de, ao primeiro vislumbre de entusiasmo, gritar de pulmões cheios: “Este é o meu propósito!”

Não há nada de errado em querermos percorrer este caminho de autodescoberta. Talvez aquilo que seja mais complicado entender é que não podemos querer apanhar uma baleia com um camaroeiro. É esta a relação de tamanho entre um propósito de vida e as capacidades da mente. E se tentarmos inverter os papéis? Em vez de sermos nós a procurar o propósito, que tal ser ele a encontrar-nos? Sinto que esta possa ser uma opção mais saudável. Deixemos de ser motores de busca e limitemo-nos a viver, tranquilamente, a nossa vida. Quanto mais procurarmos, activamente, uma razão para viver, mais ela se irá esconder de nós. A engrenagem da vida não é assim tão mecânica, não é verdade?

Se deixarmos fluir, aquilo que for para nós, em nós irá desaguar. Isto não se trata de sermos passivos ou pouco ambiciosos. Também não temos de fazer disto uma corrida desenfreada, em que o último a chegar já não vai ter um propósito onde se sentar. Não temos de nos preocupar com o “x” no mapa, pois se formos usando como pistas aquilo que nos entusiasma e faz sentir vivos, naturalmente, iremos ser bem sucedidos nesta caça ao tesouro.

O nosso propósito de vida é aprender, amar e evoluir. Não precisamos de rotular o motivo da existência para nos sentirmos melhor. Isso já são outras invenções. Como dizia Agostinho da Silva, “o meu plano para o futuro é viver”. Façamos o mesmo e arrisquemo-nos a deixar de viver sem querer, mas sim de propósito.

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