Hikikomori: uma realidade emergente que espreita pelo buraco da fechadura

Os estudos em torno dos jovens que se isolam nos próprios quartos ainda são escassos. Existe quem relacione o fenómeno ao vício causado pelo videojogo e pelas relações líquidas sustentadas através do aumento progressivo do uso das redes sociais.

Foto
Andrik Langfield/Unsplash

De forma a ser bastante cirúrgico, almejando prosseguir celeremente para o tema, creio ser inicialmente necessário definir o termo hikikomori. Assim, esta palavra tem a sua origem na língua japonesa e significa literalmente “isolado em casa”. O termo surge originalmente no livro Isolamento Social: uma adolescência sem fim, de 2o13, sendo cunhado pelo autor do livro, psicólogo e investigador Japonês, Tamaki Saitо̄​.

Tamaki acreditava inicialmente que o fenómeno poderia ser um problema desencadeado pela cultura japonesa, estando intimamente ligado a uma determinada percentagem de pessoas que, sucumbindo à pressão e ao trauma social, procurariam isolar-se nas suas casas e, mais particularmente, nos seus próprios quartos. Este fenómeno poderia decorrer naturalmente como efeito colateral de uma sociedade rígida, com normas sociais e expectativa de padrões altíssimos de estatuto e qualidade de vida.

Até ao presente parágrafo, o termo por si só já poderia gerar a sua curiosidade, contudo sugere tornar-se uma realidade até no nosso próprio panorama nacional. Admito que já sentia a necessidade de escrever algo sobre este tópico a partir do momento em que comecei a receber relatos de alguns clientes que, a determinado momento da sua vida, tinham passado por esta realidade. Todavia, nada me tinha preparado para o que ainda estava para vir, quando alguns familiares me contactaram desesperados devido a um jovem que tinha cortado completamente as relações com a sua família e que vivia 24 sobre 24 horas fechado no quarto, na maioria do tempo, a jogar videojogos.

Foi nessa mesma altura que comecei a estudar mais detalhadamente o fenómeno e percebi que já tinham soado os mesmos alarmes na Coreia do Sul, nos Estados Unidos e, mesmo aqui ao lado, em Espanha.

Através de uma análise semiológica, obtemos os seguintes sinais:

  1. Passar a maioria do tempo e/ou a sua totalidade em casa;
  2. Evitar ao máximo os contextos que sugiram contacto social;
  3. Sintomas de abstinência social que causam comprometimento significativo;
  4. Sem causa aparente etimológica, física e/ou mental para a abstinência social.

Os estudos em torno do tema ainda são escassos. Existe quem relacione o fenómeno ao vício causado pelo videojogo e pelas relações líquidas sustentadas através do aumento progressivo do uso das redes sociais. O investigador Tae Young Choi, da Universidade Católica de Daegu, na Coreia do Sul, admite que possa existir um reforço da alienação social derivado destes factores. Na minha experiência clínica, deparei-me também com esta possível relação.

Não podemos deixar de considerar ainda outros factores mais subliminares. Vivemos cada vez mais numa sociedade no limiar da ditadura da felicidade, tal como admite Edgar Cabanas. Vendem-se fórmulas fáceis, frases cliché e canudos aos jovens. Protegendo-os da frustração desde cedo, infantilizando-os até uma fase delicada da vida. Vendem-se sonhos inflacionados sem contar com a realidade, sendo que quando os jovens já não encontram os sonhos para eles construídos na vida real, deslocam a sua fantasia para o videojogo ou a rede social, no palco propício para a regressão, ou seja, o seu quarto (safe space).

As gerações dos anos 90 sofreram com os desejos ambiciosos de glória, dos “pais-que-tudo-fizeram” da geração baby boom. Estes pais suprimiram o sofrimento dos filhos facultando-lhe escolhas fáceis, esquecendo que a frustração enrijece almas. Os novos pais alienam os filhos na passagem do testemunho da parentalidade para o tablet.

A verdade é que vivemos tempos delicados e propícios para o surgimento dos Hikikomori. Estejam atentos aos sinais e procurem ajuda especializada.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários