Saúde mental no trabalho: desafios e soluções

Gradualmente é pedido ao trabalhador que saiba mais. Que tenha mais estudos; que tenha um mestrado e de preferência um doutoramento; que tenha experiência de 10 anos mesmo que tenha acabado de sair da faculdade; que trabalhe depois da hora estabelecida e que abdique dos fins-de-semana.

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Marten Bjork/Unsplash

Todos nós já tivemos dificuldades em levantarmo-nos da cama para ir trabalhar. Acredito que muitas (boas) pessoas já tenham simulado uma gripe para ficar em casa e até tenham virado o despertador com o objectivo de não ir trabalhar. Mas o que será que leva tantas pessoas a fazer isto? Haverá alguma razão em particular? Infelizmente, sim. Há uma razão específica que faz com que isto aconteça. É grave e merece a nossa atenção. Já lá vamos.

Cada vez mais se discute o papel do indivíduo no mundo laboral. São diversas as questões que se levantam relativas a este tema: quanto tempo irá demorar até que as máquinas substituam o nosso papel? Deixarão os camionistas de ter trabalho, uma vez que cada vez mais se investe em carros autónomos sem a necessidade de existir um condutor? Trabalhamos naquilo de que gostamos ou no trabalho que nos sustenta? Como estas, há uma série infindável de perguntas, muitas sem resposta. Ainda assim, encontramos questões (mais) actuais que merecem a mesma importância — com acréscimo de ser essencial encontrar uma resposta rapidamente.

Gradualmente é pedido ao trabalhador que saiba mais. Que tenha mais estudos; que tenha um mestrado e de preferência um doutoramento; que tenha experiência de 10 anos mesmo que tenha acabado de sair da faculdade; que trabalhe depois da hora estabelecida e que abdique dos fins-de-semana. Mais, mais e mais. O mercado é competitivo entre si e pede que os seus trabalhadores sejam competitivos consigo mesmos. Ocorre que essa competitividade que o trabalhador experiencia pode, muitas vezes, conduzir a um lado sombrio. E piora quando a (futura) classe trabalhadora é a juventude do Instagram. A entrada no lado “sombrio” leva-nos à problemática da saúde mental e à sua importância nos dias de hoje.

O que é que sabemos sobre saúde mental no trabalho e como é isso nos pode influenciar? Qual o impacto na produtividade da empresa para a qual trabalhamos? Estamos preparados para lidar com isso? Há mecanismos para controlar?

Vamos por pontos.

Primeiro, importa perceber que a saúde mental é uma (verdadeira) matéria a ter em atenção. É imperativo que as empresas tenham essa noção, isto é, que consigam detectar e perceber aqueles que sofrem de algum distúrbio antecipadamente. Há pessoas e pessoas, algumas mais fortes outras menos e, por isso, é dever da sociedade saber lidar com as duas. Em Portugal, infelizmente, é sabido que existe uma das mais altas taxas de pessoas (no quadro da União Europeia) que, em algum momento da sua vida, sofrem de depressão. Aliás, Portugal é um dos países em que as perturbações mentais são das principais razões da falta de produtividade laboral enquanto que somos o país europeu que mais consome benzodiazepinas (tranquilizantes) e recorre a antidepressivos (por vezes) desnecessariamente.

Compreendida a importância deste tema, torna-se inadiável uma mudança.

Um estudo recente feito no Reino Unido indica que 14,7% da população activa já sofreu alguma variante de um problema mental no trabalho; simultaneamente, afirma que cerca de 12,7% das ausências diárias no trabalho se devem a problemas de saúde mental. Ainda no mesmo estudo é possível constatar que as mulheres têm o dobro da hipótese de ter problemas no trabalho derivado de perturbações mentais em relação aos homens. Desse modo, e ainda que muitos tendam a desvalorizar este problema, este acaba por estar bem presente na sociedade dos dias de hoje. Urge o dever de procurar soluções que travem — ou, pelo menos, ajudem — esta doença.

Um dos métodos a pôr em prática é a redução do horário de trabalho. Recentemente foi notícia que uma empresa da Nova Zelândia implementou um novo modelo laboral. Este novo modelo consistia na redução de cinco para quatro dias de trabalho semanal. Isto levou a que o stress provocado pelo trabalho diminuísse 7%. Por outro lado, o estímulo e o empenho no dia-a-dia de trabalho aumentaram.

Adicionalmente, outra medida em ter em consideração é a alteração do horário de trabalho convencional. Suponhamos que oito horas são o habitual tempo de trabalho diário: qual é a necessidade que estas sejam cumpridas escrupulosamente entre as 9h e as 18h? Cada vez mais existem empresas que definem objectivos semanais. Depois disso, fica ao encargo do trabalhador apresentar os resultados, ficando a escolha do horário à responsabilidade do próprio.

Outro dos factores mais desgastantes e indicado muitas vezes como causa dos maiores problemas é o local de trabalho. É inequívoco que certas profissões exigem uma presença obrigatória, um vestuário específico e uma postura bem definida. Não obstante, há outras profissões que não exigem tais aspectos. Mudar o ambiente de trabalho ou a rotina diária leva a que haja uma menor possibilidade de desenvolver doenças mentais. Cada vez há mais espaços partilhados, de coworking e pessoas a trabalhar em casa; além disso, estas alternativas são uma clara maneira de diminuir o stress e aumentar a produção.

Embora as medidas apresentadas tenham como principal objectivo o bem-estar do indivíduo, acabam, ao mesmo tempo, por contribuir para um maior rendimento e produtividade das empresas. Um estudo da Mental Health Foundation indica que um melhor conhecimento de saúde mental pode reduzir às empresas do Reino Unido 80 mil milhões de libras por ano. O investimento na prevenção de doenças mentais nunca é em vão.

Diferentes em muitos aspectos, há um factor que une todo e qualquer indivíduo: as emoções. Estamos expostos, inevitavelmente, a acontecimentos angustiantes que mudam a nossa visão da vida e, simultaneamente, desequilibram o nosso bem-estar, muitas vezes, para sempre. Os desequilíbrios e as transformações do nosso racionalismo estão sempre à prova e, se não conseguirmos lidar com isso sozinhos, a sociedade (empresas, sistemas de voluntariado, ou até o Estado) tem que entrar em acção de modo a garantir o bem-estar do indivíduo, que resultará, seguramente, numa sociedade mais forte e bem preparada.

Não se pode continuar a desprezar a saúde mental. Enquanto o fizermos, contribuímos para um bloqueio de progressão. Ao passo que, se dermos a devida atenção, rapidamente o mundo laboral e a sociedade se tornarão num sítio melhor e com menos possibilidade de crises.

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