Potências com interesses na guerra líbia conseguem acordo de cessar-fogo

Líderes dos dois grupos rivais chegaram a acordo durante a cimeira de Berlim deste domingo. Ataque de general Haftar, que controla o Leste do país, forçou suspensão de produção petrolífera.

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Líderes mundiais juntam-se em Berlim para tentar encontrar uma solução para a Líbia OMER MESSINGER/REUTERS

Os líderes dos grupos que combatem pelo poder na Líbia aceitaram pôr em prática um cessar-fogo, anunciou este domingo o secretário-geral da ONU, António Guterres, após uma cimeira internacional que juntou vários líderes e dirigentes mundiais. Enquanto a diplomacia avançava, no terreno, um dos protagonistas do conflito, o general Khalifa Haftar, mantinha a produção petrolífera dos principais complexos petrolíferos e portos paralisada, no Leste do país. 

O fim dos combates era o objectivo primordial do encontro que decorreu em Berlim, que também tinha a ambição de lançar as bases para um retorno à via diplomática. “Não há solução militar para o conflito”, declarou Guterres, durante a conferência de imprensa em que foram reveladas as conclusões da cimeira, mostrando-se “muito preocupado” com o encerramento dos portos e poços petrolíferos do Leste da Líbia.

ofensiva lançada por Haftar e pelas tribos suas aliadas começou na sexta-feira e visou os principais terminais petrolíferos, forçando a Companhia Nacional de Petróleo a encerrar a produção. Foi bloqueado o oleoduto que liga os principais campos de petróleo ao porto de Zawiya e, antes disso, portos e campos no Leste já tinham sido encerrados. Trata-se de um forte golpe desferido ao Governo de Trípoli, reconhecido pelas Nações Unidas, que tem na exportação de barris de petróleo a mais importante fonte de rendimento.

Haftar justificou a acção como uma retaliação pelo envio de soldados turcos para apoiar o Governo rival e não foi dado qualquer prazo para que os bloqueios terminem.

Apesar da pressão internacional, a desconfiança entre os dois intervenientes da guerra o chefe do Governo reconhecido pela ONU, Fayez al-Sarraj, e o general Khalifa Haftar, que controla o Leste do país mantém-se elevada. Embora ambos se tenham deslocado a Berlim, não se encontraram pessoalmente, disse a chanceler alemã, Angela Merkel. Ninguém se quis alongar sobre as perspectivas reais de o cessar-fogo vir a ser bem-sucedido.

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Vão ser organizadas duas comissões de cinco elementos militares de cada um dos lados do conflito para supervisionar o cumprimento do cessar-fogo. O primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, que apoia o Governo de Trípoli, mostrou disponibilidade para estar “na linha da frente” das operações de monitorização do cessar-fogo. Os líderes internacionais também reforçaram a necessidade de se respeitar o embargo de venda de armamento à Líbia aprovado pela ONU.

Encontro entre Putin e Erdogan

A Berlim acorreram líderes mundiais de algumas das principais potências com interesses na Líbia – entre os quais o Presidente russo, Vladimir Putin, o Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, o Presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, e o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson.

No arranque do encontro, Erdogan reuniu-se com Putin e criticou a “postura agressiva” de Haftar. É por estes dois homens que passa muito do que está em jogo na Líbia Moscovo e Ancara subiram a parada enviando recentemente apoio militar às facções que apoiam. Macron, por sua vez, insurgiu-se contra a intervenção militar externa na Líbia, mostrando “preocupação aguda com a chegada de combatentes sírios e estrangeiros à cidade de Trípoli”, referindo-se ao apoio turco.

A guerra civil agravou-se desde que em Abril do ano passado as forças de Haftar, com apoio de mercenários russos, lançaram uma ofensiva sobre Trípoli, onde está sediado o Governo de unidade nacional, reconhecido pela ONU. Os combates mataram mais de 200 civis e dois mil soldados, e desalojaram mais de cem mil pessoas.

Em cima da mesa está também a possibilidade de ser enviada uma força europeia para monitorizar o cessar-fogo. A proposta foi comunicada pelo chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, numa entrevista à revista Der Spiegel. Uma ideia semelhante foi acolhida por Boris Johnson. “Se houver um cessar-fogo, sim, claro que há uma razão para fazermos aquilo que fazemos muito bem, que é enviar especialistas para supervisionar o cessar-fogo”, afirmou o primeiro-ministro britânico.

Alinhamento estrangeiro

A pairar sobre o encontro estava a tentativa falhada de se chegar a um acordo de cessar-fogo há uma semana em Moscovo – uma iniciativa da Rússia e da Turquia. Receando perder a vantagem militar obtida nos últimos meses, Haftar abandonou a reunião sem assinar qualquer documento.

As potências presentes em Berlim dividem-se nos apoios às duas forças em combate na Líbia. Haftar é respaldado pela Rússia, Egipto e Emirados Árabes Unidos (EAU), e conta com apoio discreto de França. O Governo de Fayez al-Sarraj tem na Turquia o seu principal parceiro externo, para além do reconhecimento pela ONU.

Uma das missões da cimeira de Berlim era também superar as divergências entre os aliados estrangeiros. “O problema é que os Estados ocidentais não estão preparados para pressionar os apoiantes estrangeiros de Haftar, particularmente os EAU, portanto as promessas que os intervenientes estrangeiros fizerem em Berlim soarão ocas”, diz à Al-Jazeera o analista Wolfram Lacher.

Desde o derrube do ditador Muammar Khadafi, em 2011, que a Líbia está privada de um Governo central estável. O vazio de poder foi aproveitado por vários grupos e tribos, que desde então estão embrenhados numa guerra civil. Actualmente, dois governos rivais reivindicam o poder, mas nenhum parece dispor de uma vantagem militar sobre o outro.

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