Democracia e racionalidade

As redes sociais acabam por levar a que entremos em diálogo fundamentalmente com aqueles que concordam com as nossas próprias ideias.

As decisões democráticas são racionais? Ou dito de outra forma, pode ser identificado algum padrão de racionalidade nos processos de decisão coletiva? Kenneth Arrow argumentou que mesmo que uma sociedade seja constituída por indivíduos ditos racionais, segundo os padrões da teoria económica convencional, nada garante que as decisões coletivas tomadas nessa sociedade seguirão esses mesmos padrões de racionalidade. Segundo esses padrões, ser racional é agir consistentemente com as nossas preferências.

Amartya Sen, por outro lado, argumentou que a racionalidade das escolhas coletivas deve ser avaliada por outro padrão. Pois, na realidade, nem mesmo os seres humanos se comportam de acordo com os padrões de racionalidade da economia convencional. E, redefinindo a racionalidade de um modo mais realista, Sen demonstra que possibilidades de escolhas coletivas racionais são bastante mais amplas do que aquilo que Arrow perspetivou.

Para redefinir o significado de racionalidade, Sen baseia-se em Adam Smith. Smith argumentava que o debate com outras pessoas, especialmente aquelas com opinião diferente da nossa, nos ajuda a rever a nossa forma de pensar, tornando-a mais clara e objetiva. Baseado em Smith, Sen define a racionalidade como a capacidade de repensar os nossos objetivos e valores. Isto é, ser racional não é agir sempre de forma consistente com as nossas preferências, mas antes ter a capacidade de rever essas próprias preferências.

As redes sociais têm contribuído para que aconteça exatamente o oposto do que Smith defendia. Através de algoritmos que inferem as nossas preferências a partir das nossas escolhas ao navegar na internet, é-nos enviada informação, de carácter publicitário, ou de propaganda política, ou de outra índole. Mas como essa informação é preparada e selecionada com base nas nossas preferências reveladas em escolhas prévias, a informação que recebemos tende a ir no sentido de reforçar as nossas convicções, e não no sentido de questionar ou rever a nossa forma de pensar, contribuindo para um progressivo desaparecimento da capacidade de reflexão crítica.

Aliás, perdemos não só a capacidade para um debate interno connosco próprios, mas também com outras pessoas com ideias diferentes. Pois as redes sociais acabam por levar a que entremos em diálogo fundamentalmente com aqueles que concordam com as nossas próprias ideias, e não com aqueles que nos poderiam ajudar a rever a nossa forma de pensar. Mais do que isso, qualquer informação falsa que circule vai circular num grupo de pessoas onde será minimizado o número de indivíduos que tenderiam a questionar a sua validade. Pois a informação será enviada para aqueles que tenderão a concordar com ela. Neste processo, tornamo-nos cada vez mais irracionais, se seguirmos a definição de Sen. Não é necessário que assim seja, dado que a tecnologia não determina as nossas vidas. E a democracia depende da nossa capacidade para repensar, neste caso repensar também como promover um diálogo crítico neste novo contexto tecnológico.

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