Há mais em Portugal do que Porto e Lisboa

Neste novo ano que começa, é imperioso não deixar morrer o tema da regionalização, nem deixar que se esqueça que o interior está a morrer sem direito a cuidados paliativos.

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Adriano Miranda / PUBLICO

Por mais proclamações que possam ser feitas, vindas de São Bento ou de Belém, o paradigma de um país a três ou quatro velocidades mantém-se inalterado e assim permanecerá se não houver uma revisão profunda das prioridades nacionais. É por demais evidente que grande parte do país tem sido negligenciado pelos sucessivos governos e poucos têm sido aqueles que se chegam à frente para uma verdadeira regionalização, dando a possibilidade a todas as regiões de terem uma voz mais firme em relação ao futuro de cada uma. O país não é todo igual e não padece todo das mesmas necessidades. Portugal é muito mais do que Lisboa e Porto.

Pode-se tentar mascarar esta balança de pesos diferentes com a municipalização, com a descentralização de serviços, mas não é possível esconder o deficit de desenvolvimento do interior do país atribuindo às Câmaras Municipais mais funções que não poderão levar a cabo por não serem transferidas as verbas indispensáveis para tais atribuições. Neste novo ano que começa, é imperioso não deixar morrer o tema da regionalização, nem deixar que se esqueça que o interior está a morrer sem direito a cuidados paliativos.

Todos os dias, os grandes meios de comunicação dão conta de tudo o que se passa na capital, ao pormenor, bem como o que acontece no Porto, sentimo-nos quase tão portuenses ou lisboetas como qualquer habitante de facto, destas terras. O resto do país é esquecido, lembrado apenas em momentos de grande aflição como em 2017 com os grandes incêndios ou agora, no final do ano que passou, com as cheias do Baixo Mondego que colocaram a região Centro nas televisões pelos piores motivos. Estas cheias, por exemplo, são a demonstração prática que as políticas nacionais continuam a assumir o resto do país como paisagem, completamente negligenciado e sem projecto de futuro. O poder local vai fazendo o que pode para salvaguardar a dignidade de muitos destes territórios desertificados de pessoas e também de ideias, mas não chega.

Portugal enfrenta um inverno demográfico perigoso, que poderá colocar em causa muito do bom que tem o país, as suas tradições, as culturas e diferentes viveres. Este ano que inicia poderá muito bem ser aquele ano em que vamos dar a volta, em que assumimos que o resto do país existe e nele vivem pessoas. No interior transmontano, bem como na Beira ou no Alentejo, vivem portugueses de carne e osso que precisam de estradas seguras, de transportes públicos e de serviços médicos. É uma questão de justiça.

Enquanto nos regozijamos ao ouvir o cante alentejano, não nos lembramos que o Alentejo precisa de mais médicos nos hospitais, de serviços de transporte públicos que assegurem a mobilidade de todos. Quando falamos orgulhosos em Coimbra como a cidade do conhecimento, esquecemo-nos que a linha do ramal da Lousã continua fechada e que as obras para a implementação do sistema de mobilidade do Mondego ainda nem começaram, nem tão pouco foi lançada a obra para uma nova maternidade. Gostamos também de falar da qualidade gastronómica das gentes de Trás-os-Montes, mas não reparamos no seu isolamento geográfico.

Portugal não é só Lisboa e Porto, lembrem-se disso, por exemplo, na RTP para quando voltarem a fazer um debate sobre as diferentes culturas do país incluírem pessoas oriundas de outros sítios. Este novo ano de 2020 poderá, assim o queiramos, ser aquele em que as acções suplantam as proclamações sobre este país que não se gosta de ver desfasado.

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