Algarve meteu na gaveta o projecto da construção de dois canis intermunicipais

Um inglês investiu do seu bolso 1,2 milhões num canil/gatil, que a câmara de Loulé manda agora demolir. O equipamento, diz a autarquia, encontra-se numa situação de “incontornável ilegalidade”.

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Raça de cachorro
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As câmaras algarvias meteram na gaveta o projecto para criar dois canis intermunicipais. Após a conclusão de um estudo económico-financeiro, mandado elaborar pela Comunidade Intermunicipal do Algarve - Amal, há três anos, as câmaras, aparentemente, desistiram de investir dois milhões de euros nestes equipamentos. Por outro lado, no concelho de Loulé, no sítio da Cabanita, o empresário Sidney Richarson investiu 1,2 milhões de euros num canil que diz ser “modelar” mas foi notificado para que este seja demolido num prazo de dois meses. O equipamento foi construído sem qualquer licença administrativa.

Segundo o Sistema de Identificação de Canídeos e Felídeos (SICAFE), o Algarve, em Dezembro de 2016 - quatro meses depois de ter saído a Lei nº 27/2016 que proíbe o abate de animais errantes – tinha 56.076 animais registados, ou seja 8% do total nacional. O concelho de Loulé é aquele que ocupa o primeiro lugar no acolhimento de cães e gatos – 10.325. De acordo com o diploma, o Governo e as autarquias estariam obrigados a criar uma rede de Centros de Recolha Oficial de Animais (CROA) que incluía, a partir de 2018, requalificação dos canis existentes.

O vice-presidente da Amal, Osvaldo Gonçalves, comenta: “Disponibilizei um terreno de 12 hectares, para servir todo o sotavento algarvio”. Em princípio, prossegue, todas as câmaras estavam de acordo. As dificuldades surgiram quando foram conhecidos os custos operacionais: “O projecto foi metido na gaveta”, concluiu. Segundo as projecções do estudo da Amal, o Algarve teria, para se adaptar à nova legislação, que fazer um investimento de quatro milhões de euros num prazo de dez anos. A nível nacional, o valor apontava para 50 milhões de euros.

O canil do sítio da Cabanita acolhe 120 cães e 20 gatos. Os custos operacionais, segundo o fundador do “Abrigo dos Animais – Associação de Protecção dos Animais”, rondam os 200 mil euros/ano. “Achei que devia dar uma parte do meu património para a causa animal”. Numa propriedade de oito hectares, que adquiriu próximo de Loulé, instalou o canil, numa zona que o Plano Director Municipal de Loulé (PDM) classifica de solo “predominantemente agrícola”.

Porque fez as obras sem pedir licença? “Andei três anos em conversações com a câmara, para encontrar uma solução para construir o canil - não podia esperar mais”. O empresário, com negócios de restauração no Vale do Lobo, desde há 25 anos, acrescenta: “Ajudei outros canis e pretendia criar, com este exemplo, uma rede regional”. O que sucede é que corre o risco de ter de derrubar os abrigos – edificações em madeira, com cobertura de chapa térmica e assentes em base de cimento, instaladas num vale, totalizando uma área de 350 metros quadrados. A notificação do despacho que ordena a “demolição e reposição do terreno nas condições em que se encontrava antes do início das obras” foi feita no dia 12 de Novembro. “Os meus três advogados estão a preparar uma contestação”, disse, destacando: “Estamos a prestar um serviço público - o Governo fez uma lei [Centros de Recolha Oficial de Animais] que não cumpre”.

A vereadora da câmara de Loulé Heloísa Madeira, por seu lado, justifica-se: “No actual quadro legal e regulamentar em vigor, não vislumbramos qualquer alternativa à ordem de demolição”. A autarca socialista, jurista de formação, abre uma fresta: “Se nos for apresentada uma qualquer outra solução – que verdadeiramente não conseguimos vislumbrar - estaremos obviamente abertos e disponíveis para discuti-la”. A edificação em solo rural, de acordo com o PDM, “por regra, está proibida”, sublinha. Uma eventual alteração à norma - transposta do Plano Regional de Ordenamento (PROT) - admite, “poderá surgir em sede de revisão do PDM - iremos baternos por uma solução ao nível do planeamento e do ordenamento do território que dê resposta a situações desta natureza”. O canil municipal, exemplifica, “está no centro da cidade, e precisa, também, de ser relocalizado”.

Osvaldo Gonçalves defende que a criação de uma rede de canis intermunicipais “deve voltar à ordem do dia” no seio da Amal. As câmaras - ainda de acordo o plano de negócios, elaborado para definir o apoio aos Centros de Recolha Oficial - gastam cerca de 450 mil euros/ano, com a exploração dos canis. Os custos situam-se na casa dos 600 mil euros, a receita proveniente das licenças fica-se pelos 160 mil euros. Quando às preocupações do empresário inglês para encontrar um espaço para criar um canil de âmbito regional, o vice-presidente da Amal, desafia: “Pode vir instalar-se em Alcoutim, a câmara oferece o terreno”.

Por seu lado, a vereadora Heloísa Madeira remata: “O canil [do sítio da Cabanita] encontra-se numa situação de incontornável ilegalidade”. Porém, não deixa de reconhecer “o trabalho desta associação, como o trabalho de outras associações e entidades que, no concelho, trabalham em prol da causa animal”. Perante a posição da autarquia, Sidney Richarson promete: “Estou disposto a levar este caso até últimas instâncias judiciais”.

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