BE quer suspender venda de património do Estado em cidades com falta de habitação

O objectivo é garantir que as necessidades habitacionais de cidades como Porto, Lisboa, Braga ou Aveiro, sejam tidas em conta.

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Paulo Pimenta

O BE vai apresentar esta semana uma proposta legislativa para estabelecimento de uma moratória à venda de património do Estado em cidades com falta de habitação a preços acessíveis, como Lisboa, Porto, Braga ou Aveiro. O anúncio, feito nesta terça-feira pela deputada Maria Manuel Rola, aconteceu ao lado dos terrenos da Infraestruturas de Portugal, na Boavista, Porto, onde o El Corte Inglés pretende erguer um grande armazém, destino que o BE contesta.

Para os bloquistas, a venda de património, sem articulação com os municípios a braços com problemas de falta de casas a preços comportáveis pela classe média, é “um atropelo à Lei de Bases da Habitação” aprovada na anterior legislatura. Palavras de Maria Manuel Rola, ditas numa estação de metro, a da Casa Música, com vista, para sul, para um terreno da antiga Refer, expectante e à mercê de um investidor que o reservou há quase 20 anos para um centro comercial, e, para norte, para um prédio do Ministério da Defesa, devoluto, e colocado, desde Setembro, na lista de activos do Estado a vender.

O Bloco considera, além do mais, que o negócio envolvendo os espanhóis do ECI - cujos contratos ainda não foram divulgados pela Infraestruturas de Portugal (IP), insistiu a deputada - pode ser lesivo, do ponto de vista financeiro, pois prevê a libertação, em 2021, de um bem público, pelo mesmo valor com que ele foi contratado em 2000. Neste período, foram vários os aditamentos feitos ao primeiro contrato-promessa em que a Refer, actual IP, aceitou entregar ao ECI os terrenos da antiga estação da Boavista, e o BE quer ter acesso aos documentos para avaliar se, e de que forma foi o interesse público defendido neste negócio. 

Três edifícios da Defesa no Porto

No Porto, na zona da Lapa e junto ao Jardim do Calém, há mais edifícios do Estado - e do Ministério da Defesa, no caso - que o Bloco considera que poderiam ser entregues ao município, para mitigação da escassez de habitação. “Isso seria um sinal condizente com a cidade que pretendemos construir”, nota, referindo que, no caso do espaço pretendido pelo El Corte Inglês, não faltam, à volta centro comerciais e hotéis”, e que a cidade, através de uma petição subscrita por mais de quatro mil pessoas, já demonstrou que não é isso o que quer para aquela zona. 

Como o PÚBLICO avançou na segunda-feira, no pedido de informação prévia entregue na Câmara do Porto o ECI propõe a unificação de vários terrenos existentes no quarteirão fronteiro à rotunda da Boavista, entre a Rua 5 de Outubro e a Avenida de França, e a sua posterior reorganização em quatro parcelas, três delas para fins privados. Na mais importante, com frente para a rotunda, seria erguido um grande armazém e um hotel. Nas duas outras prevê dois prédios de habitação comércio e serviços. A quarta parcela seria para cedência à câmara, tendo em conta que o PDM define esse espaço como zona de equipamento. 

Impacto na mobilidade da Boavista

No total, a proposta do ECI implicaria uma área bruta de construção de 71 mil metros quadrados, acrescidos de 60 mil metros quadrados de estacionamento, em vários pisos abaixo do solo (seis, no caso do centro comercial, que ainda teria um acesso directo a uma nova estação de metro para ali projectada). A ser aceite, deita por terra as pretensões dos peticionários que ali queriam ver um jardim e que, como o BE, antevêem já a pressão que um equipamento deste tipo vai provocar no trânsito de uma das zonas mais movimentadas da cidade.

Os espanhóis já pagaram 18,7 milhões de euros como princípio de pagamento e sinal desta transacção. Presente nesta conferência de imprensa, Pedro Lourenço, um dos eleitos do BE na Assembleia Municipal do Porto, sublinhou que o negócio em questão “é muito pouco transparente”. Se ele for concretizado, insistiu, “há todas as condições para considerar altamente lesivo para o Estado. Não só porque [o terreno] não vai ser destinado para fins que servem o interesse público, o que é em si mesmo um custo, como também o valor a que foi negociado em 2000, não é, manifestamente, o valor que hoje vale o terreno”, defendeu.

Do ponto de vista do interesse da cidade, e tal como a CDU, também o Bloco considera que o presidente da Câmara, Rui Moreira, está “a lavar as mãos”, ao deixar que seja o mercado, desde que cumpridos os parâmetros urbanísticos, a decidir o que se faz, ou não se faz, naquele local. “Sabemos que o vereador da Economia não só já sabia do negócio antes de ele ter dado entrada na câmara, como se mostrou muito satisfeito. Portanto, para nós tudo isto são sinais muito preocupantes de que Rui Moreira quer, de facto, aprovar aqui o El Corte Inglés”, acrescentou.

PSD pede habitação no lugar do Corte Inglés

Também o PSD do centro histórico do Porto defendeu, em comunicado, a “rejeição” deste projecto na Boavista e o início de um diálogo com a IP e a cadeia espanhola, por um “projecto alternativo” com habitação. Aquele núcleo lamenta a "informação errada” divulgada pelo executivo de Moreira sobre a situação do projecto da cadeia espanhola, defendendo que o PDM dá à autarquia “total liberdade de apreciação sobre um PIP para aquele local em concreto”. A câmara, defendem, deve pronunciar-se sobre a “adequação urbanística da proposta, muito para além da simples verificação do cumprimento de índices quantitativos”.

Os sociais-democratas consideram ainda que uma reprovação do PIP não implica qualquer custo, nem obriga a nenhum investimento por parte do município, sublinhando que, naquela zona, “faz muito mais falta habitação do que shoppings”. Este projecto, dizem, iria agravar “o trânsito caótico do Porto” e seria, além disso, um mau negócio. "O interesse público seria desrespeitado com a cedência, por parte de uma entidade pública a uma empresa privada, de um terreno a preços de há uma década.”

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