Centro de Alto Rendimento do Pocinho: o “privilégio” de remar entre arquitectura de excelência

Inaugurado em 2016, o Centro de Alto Rendimento do Pocinho colecciona distinções pelas suas características arquitectónicas. Mas o valor do edifício não se esgota aí. Os desportistas que por ali passam asseguram que “lá fora” dificilmente se encontram em equipamentos com as mesmas condições.

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Joana Branco e Miguel Menezes são atletas do Clube Naval Infante D. Henrique. Nelson Garrido

O olhar de Miguel Menezes sobre o edifício do Centro de Alto Rendimento (CAR) do Pocinho dificilmente se compara ao dos restantes atletas que por ali passam. Nele cabe a interpretação de um arquitecto e a experiência de um remador que treina sob o pretexto de “ser sempre melhor do que no dia anterior”. Talvez por isso recorra frequentemente à palavra “privilégio” para descrever, a título pessoal, as várias oportunidades que já teve de estagiar no referido equipamento, mas também a título nacional por Portugal ter “um dos melhores edifícios do mundo para a prática da modalidade”. 

O sentimento de gratidão do desportista não desvanece mesmo quando, ao descrever a sua rotina de treino no CAR do Pocinho, refere que o dia começa ainda antes das 7h, “quando já há luz”: “É um prazer abrir aquele rol e ver as montanhas, entre as quais vamos remar mais tarde”, conta, à conversa com o P3 numa tarde de sábado nas margens do Douro, desta feita em Gondomar. O pequeno-almoço, à semelhança das restantes refeições, trata-se, regra geral, de um convívio entre colegas de equipa, “um momento muito tranquilo com aquele volume orientado pela paisagem”.

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Miguel Menezes é arquitecto e remador Nelson Garrido

O primeiro treino, no rio, começa por volta das 10h. Para lá chegar, o jovem de 28 anos percorre cerca de um quilómetro e meio, uma distância que valoriza muito, “como arquitecto e como atleta”. “Podemos fazer o percurso a caminhar ou a correr e consiste numa aproximação ao treino e num distanciamento em relação ao período de descanso.” Durante o treino propriamente dito (composto por duas sessões), os atletas podem ainda vislumbrar, entre remadas, outros dois exemplares de arquitectura de autor nos terrenos acidentados da margem do Douro: a Casa do Rio, do arquitecto Vieira de Campos, professor de Miguel durante a sua passagem pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, e o Museu do Côa, que em 2014 recebeu o Prémio Arquitectura do Douro.

A recompensa chega às 13h, quando é servido o almoço, antes de os atletas se deslocarem novamente para os quartos para um novo período de descanso. Regressam à actividade física a meio da tarde, no rio ou no interior do CAR, já que têm ao seu dispor “um dos melhores ginásios da Europa”, assim como uma piscina e um jacuzzi para a fase de relaxamento. “Não é qualquer centro que disponibiliza este tipo de serviços”, confessa o desportista. O dia termina com o jantar, seguido de uma reunião onde são analisadas as prestações daquele dia com recurso a fotos e vídeos — cortesia do treinador Ricardo Cardoso. Às 22h30 espera-se que os atletas já estejam a recuperar energias para o novo dia de treino que os espera.

Pedimos-lhe, então, para eleger alguns dos elementos mais marcantes do edifício que em 2017 venceu o Prémio Arquitectura do Douro, somando também várias distinções internacionais (ECOLA Awards, Architizer A+, finalista nos prémios Mies van der Rohe). Para responder, Miguel calca, por diversas vezes, a linha que separa as duas actividades que mais o apaixonam — o remo e a arquitectura, claro está. Começa por sublinhar “a integração do edifício na paisagem”, afinal de contas “trata-se de um programa muito grande mas o arquitecto Álvaro Fernandes Andrade conseguiu, de forma muito inteligente, destacar apenas as zonas públicas e de circulação e integrar as áreas mais íntimas de quartos”. “O edifício é enorme, mas na paisagem parece pequeno.”

Quem, como Miguel, está habituado a passar longos períodos em estágio sabe que as rotinas podem limitar-se a um ciclo composto por “comer, treinar, dormir, comer, treinar, dormir”, muitas vezes na companhia das mesmas pessoas. Daí que “momentos a sós, de intimidade” ganhem particular importância. No CAR do Pocinho, esses instantes podem ser vividos nos quartos, o espaço que mais agrada ao remador. “É perfeito em termos de dimensão e do que oferece para o que é um estágio. Proporciona ali um momento de descanso absoluto com aquela janela rasgada muito bem desenhada a olhar para as montanhas. Acho que o quarto em si até é um momento terapêutico.”

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João Morgado

Na mesma linha, a separação e a distinção dos diversos espaços existentes no complexo (social, descanso e treino) foi pensada para acompanhar os diversos momentos que compõem a rotina diária dos atletas que por ali passam. A característica não passou, obviamente, despercebida ao jovem arquitecto que consegue, inclusive, traçar um paralelo com as suas próprias vivências. “O percurso do quarto para o ginásio tem um longo corredor, uma longa escadaria e é um processo de mudança de chip mental, digamos assim, desde a parte de descanso para a parte do treino… a mesma coisa para a refeição.”

Mas será que para um comum mortal, leia-se uma pessoa não entendida em arquitectura, estes elementos fazem assim tanta diferença? Essa, diz Miguel, é uma das magias da arquitectura: “não se afirmando, conseguir ter um impacto positivo na vida das pessoas, neste caso dos atletas”, o que se traduz em “rotinas de treino e de descanso bem feitas, mais produtivas”. No caso de Miguel parece estar a resultar. Embora tenha deixado a selecção nacional aquando do seu ingresso na licenciatura de Arquitectura em 2009, o atleta garante que nunca esteve tão forte e aponta como meta futura “vencer o skiff individual a nível nacional” (prova que roubou o nome ao barco com 8,2 metros de comprimento. “Já ganhei várias vezes noutros barcos, nunca ganhei a nível nacional individualmente.” Confessa-se um “viciado em actividade física”, por isso abandonar a modalidade não está nos seus planos. “Apesar de ter dias difíceis, no fundo, o remo ajuda-me a gostar mais de mim mesmo.”

De Pocinho a Tóquio, o caminho de Joana faz-se remando

Numa trajectória diferente está Joana Branco. Em comum com Miguel tem a prática da modalidade e a equipa que representa, o Clube Naval Infante D. Henrique. Reconhece que, ao longo dos 12 anos que leva de remo (começou aos 16), nem sempre foi fácil conciliar o desporto com outras áreas da sua vida, nomeadamente a formação em Engenharia Mecânica, na FEUP. “Continuei sempre a estudar e tentei conciliar tudo, às vezes melhor ou pior.” Mesmo com os estudos no topo das suas prioridades, estabeleceu como meta integrar a selecção nacional, tarefa que já riscou da lista em 2009.

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Joana Branco tem na mente os Jogos Olímpicos de Tóquio Nelson Garrido

Actualmente a vida não é mais fácil, em grande parte devido à tão desejada entrada no mercado de trabalho. Os treinos que não consegue fazer durante a semana, por falta de tempo, acaba por repor nos dias de folga. Vale-lhe o espírito de sacrifício e compromisso que a ajudam a contrariar as jornadas em que não encontra vontade para treinar ou trabalhar. No que diz respeito a objectivos futuros, Joana responde com uma única palavra: “apuramento”. Quando o calendário dista apenas oito meses até ao início dos Jogos Olímpicos de Tóquio, é fácil perceber ao que se refere a jovem remadora.

Na caminhada rumo a um objectivo tão ambicioso, condições como as que são oferecidas pelo Centro de Alto Rendimento do Pocinho podem ajudar. “O ginásio é óptimo, podemos fazer aquecimentos ou musculação, por exemplo. Se estiver mau tempo, temos condições para fazer um treino indoor em vez de irmos para a água, algo mais relaxado como ioga, pilates, mobilidade, alongamentos… temos tudo o que precisamos.”

Mas o que fez do Pocinho um ponto de paragem obrigatória para remadores de vários pontos do globo foi o plano de água — “um dos melhores do mundo” — que se tornou possível após a construção da barragem. Também este merece palavras elogiosas por parte de Joana. “Está sempre bom, se não for logo na entrada dos dois quilómetros fica depois. De acordo com a direcção do vento, há sempre um sítio onde conseguimos treinar e isso é excelente para a modalidade.”

Desde que foi inaugurado, em 2016, o CAR do Pocinho já recebeu equipas portuguesas, suíças, inglesas, holandesas e alemãs, maioritariamente de remo e de canoagem. No entanto, o espaço está preparado para receber atletas das mais diversas áreas, como natação, stand up paddle, futsal, futebol, ciclismo ou trail. Esse é, precisamente, um dos desejos de Miguel Menezes, que o espaço seja dinamizado e ocupado pelo maior número possível de modalidades, fazendo jus às suas potencialidades, ainda que os desportos náuticos não sejam dominantes em Portugal. “Um equipamento daqueles tem que ser usado. As instâncias devidas devem fazer por isso.”

Apoiado por Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte.

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