Magistrado(a) em função não judicial

Todos, incluindo magistrados, têm opções políticas e a liberdade de as assumir quando e como entender. Feita publicamente a escolha, há que seguir a opção feita.

A recente escolha de magistrados para exercer cargos governativos tem suscitado reações de vários quadrantes, particularmente de elementos da própria classe, como é o caso do representante da Associação Sindical de Juízes Portugueses (cfr. Visão de 31/10, n.º 1391 – pág. 46)​. A questão não é nova, pois há exemplos do passado, com é o caso da atual sr.ª ministra da Justiça. Terão porventura gerado surpresa, mas celeuma, não.

Esta magna questão diz respeito às duas magistraturas – a judicial e a do Ministério Público, dado o paralelismo das correspondentes carreiras. Subjacente a este posicionamento crítico há porventura duas razões: por um lado, uma crescente consciencialização e importância da vertente representativa e funcional da magistratura na administração de justiça (vertente interna) e os valores de confiança e da ética social que podem ver-se afetados nesta mescla de envolvimento funcional – critério de oportunidade próprios da esfera política e o da estrita legalidade afeita à justiça (vertente externa). Já havíamos alertado a esta problemática como sendo difícil de se compaginar com o regresso às funções de magistratura daqueles que se sujeitam ao exercício da atividade governativa ou administrativa sempre condicionada a ordens ou procedimentos pautados por cânones de oportunidade político/administrativa (cfr. livro Sindicalismo na magistratura do Ministério Público – motor histórico da sua dignificação – 2018 – pág. 328).

Aliás, a mesma chamada de atenção se pode dirigir, pese embora numa escala mais reduzida, tratando-se de magistrados(as) que ocupam cargos nos corpos diretivos de clubes desportivos, particularmente o futebol pela adesão maximal que o rei-desporto ocupa na comunidade nacional, podendo gerar atropelos na postura pensante do cidadão quando comparece ante um magistrado que sabe ser adepto de outro clube que não o seu.

É bom significar à partida que nada de ilegal ou irregular existe no exercício de funções políticas ou administrativas por magistrados. Os correspondentes Estatutos (cfr. Lei n.º 67/2019 e Lei n.º 68/2019, ambos de 27.08.) ditam que, pese embora os magistrados em efetividade de funções, não podendo ocupar cargos políticos, podem, todavia, ocupar os cargos de Presidente de República, de membro de Governo, de Conselho de Estado e de Representante da República para as regiões autónomas. (artigo 6-A do Estatuto dos Magistrados Judiciais​ e 108.º do Estatuto do Ministério Público​). Determinam, no entanto, estas mesmas disposições legais que aos magistrados está vedada a prática de atividades político-partidárias de caráter público. É caso para indagar: em que é que ficamos?

Estamos, em meu entender, face a uma antinomia legislativa: por um lado, a exigência do recato e a não publicidade da opção política do magistrado; por outro, a abertura para esta publicidade. Todos, incluindo magistrados, têm opções políticas e a liberdade de as assumir quando e como entender. Tratando-se, porém, de Justiça, compreende-se o cuidado do legislador em não misturar as águas, numa altura em que tanto se fala de politização da justiça e da judicialização da política. Sem pôr em causa a honestidade do magistrado, a sua independência de categoria profissional não é suficiente para se sobrepor à chamada independência no quadro de uma estrutura política. Feita publicamente a escolha, há que seguir a opção feita.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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