Dá-se aulas sem receber “na expectativa de vir a conseguir um lugar”, diz investigadora

Muitos bolseiros doutorados continuam a assegurar aulas sem serem pagos por esta actividade.

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Protesto de bolseiros, uma área ainda muito marcada pela precariedade LUSA/MIGUEL A. LOPES

No primeiro semestre de 2018/2019, segundo dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência, só 48 bolseiros doutorados tinham um contrato para dar aulas no ensino superior ao abrigo do regime de contratação destinado a estimular o emprego científico, aprovado em 2016 para reduzir a precariedade no sector, criando cerca de 5400 postos de trabalho tanto na carreira científica, como na docente.

Um balanço feito pela Associação de Bolseiros de Investigação Científica (ABIC), em Junho passado, dá conta que, entretanto, abriram vagas para 52 lugares na carreira científica e 160 para docência.

Todos os bolseiros doutorados que garantiram um contrato no primeiro semestre de 2018/2019 estavam a ser pagos para dar aulas, segundo o que é dado a ver na informação publicada pela DGEEC. Mas há muitos outros que continuam a assegurar aulas sem serem remunerados, alerta a investigadora na área de biomédicas e dirigente da ABIC Renata Freitas.

“Há muito poucos concursos para a entrada na carreira e há muitos professores a reformarem-se ou a ficarem doentes e, por isso, pedem aos mais jovens para irem assegurando as aulas, sobretudo as de cursos de mestrado e de doutoramento”, relata. E muito deste trabalho é “feito com contratos a tempo zero, o que significa que não é pago”, acrescenta.

A avaliar pelos dados da DGEEC, estas situações de levar por diante duas actividades (investigação e docência) e só receber pela bolsa atribuída no âmbito da primeira não estará contabilizada nas chamadas “horas graciosas” de docência. Uma situação que no ano passado abrangia 403 professores do ensino superior público.

E porquê dar aulas sem ser remunerado? “Vai-se tendo alunos, ganha-se experiência e há sempre aquela expectativa de se conseguir um lugar. Só que isso quase não acontece e há quem já esteja à espera há quase duas décadas”, diz Renata Freitas. E isto tem “consequências graves, não só para a vida destas pessoas, mas também para os alunos, porque estes professores acabam por não conseguir vestir a camisola do seu curso”, acrescenta.

Quanto ao regime de estímulo do emprego científico, adianta que se está a passar o mesmo que no mercado de trabalho em geral: “Há mais empregos, mas para trabalhos precários.” Por agora, Renata Freitas vive por conta do financiamento que angariou para um projecto. Assegura também uma cadeira semestral na Universidade do Porto, que é paga, mas não daria para sobreviver.

“Os projectos de investigação estão financiados até 2021, mas a continuar assim vamos ter muitas pessoas no desemprego logo a seguir.” É mais um alerta.

Ainda segundo dados da DGEEC, em 2018/2019 só 2% dos professores do ensino universitário estavam na carreira científica. No âmbito do Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários (Prevpap) foram apresentados 5981 requerimentos por parte dos bolseiros de investigação científica, tendo até agora sido abertos apenas cerca de 500 concursos para entrada na carreira, indicam dados da ABIC.

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