Correia de Campos: “Salário médio fixo é ficção. Deve haver metas sector a sector”

O presidente do Conselho Económico e Social defende um cálculo do salário médio em função do ordenado máximo e mínimo de cada sector e critica bónus de assiduidade na função pública.

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Daniel Rocha

António Correia de Campos, ex-ministro da Saúde e actual presidente do Conselho Económico e Social, está confiante sobre as negociações que já arrancaram sobre o aumento do salário mínimo em 2020: "Os parceiros não estão muito, muito, muito distantes”. O Governo, acrescenta, está ciente de que “obter um acordo na Concertação Social [CS] tem valor muito mais do que facial”. Na entrevista ao PÚBLICO/Renascença que pode também ouvir esta quinta-feira às 13h, Correia de Campos distribui ainda elogios a Arménio Carlos e a Alexandra Leitão. E deixa algumas críticas e um aviso sobre a sua sucessão.

Estamos em plena semana de arranque de negociações sobre o salário mínimo na Concertação social. Até onde é que acha que se deve e se pode ir? 
Como todas as negociações, estas já estão balizadas por uma declaração inicial, desta vez no próprio programa do Governo, que é tentar atingir o valor de 750 euros até 2023. Ninguém pode garantir o futuro a três ou quatro anos de distância. O Governo tem esse objectivo e a negociação vai processar-se ano a ano.

750 euros é um objectivo ambicioso como dizem os patrões?
Não. É verdade que já o disseram mas [os parceiros sociais] estão tão próximos desse valor nas suas propostas que não me parece que seja, por esse ponto de vista, ambicioso. Outra questão diferente é saber se a economia acompanha, saber se tudo se vai manter como tem acontecido até aqui. Se assim for, não há razão para pensar que não seja possível atingir esse objectivo. A parte empregadora e a parte trabalhadora não estão muito, muito, muito distantes. 

Esta quarta-feira, a ministra da Segurança Social disse que seria de aproveitar o bom clima económico. Acharia sensato aproveitar-se agora a oportunidade?
No meu papel, não devo formular juízos de valor, embora tenha a minha opinião. O meu papel é lutar pelo consenso.

Do que ouviu dos parceiros, para que lado irá a vontade pender, dar já um aumento significativo e depois fazer-se uma coisa mais pausada?
Há bons argumentos, excelentes argumentos dos dois lados: o de que vamos dar já um pontapé para a frente porque neste momento há algumas condições positivas e o de que temos tantas incertezas, tanta instabilidade no mundo, não sabendo o que o Brexit vai trazer à nossa agricultura e ao nosso turismo. Parece-me que os parceiros podem não estar muito afastados e, portanto, pode haver um esforço de aproximação. A ministra é uma pessoa nova, dinâmica e empenhada em avançar depressa. Tem a noção de que obter um acordo na CS tem valor muito mais do que facial, tem valor substantivo. Significa que a CS pode ser usada no futuro para resolver problemas fundamentais como sejam os da política de rendimentos que o Governo explicitamente quer pedir à CS que promova.

O Governo optou por desligar negociações entre o salário mínimo do próximo ano e um acordo de rendimentos mais vasto que garanta o aumento dos rendimentos em geral durante a legislatura. Fez bem? ​
É natural, é uma questão de bom-senso. São matérias muito complexas. A política de rendimentos tem influência multi-factorial, factores económicos, produtividade, formação permanente dos trabalhadores, da capacidade de liderança das empresas, do tecido empresarial.

Diz que o Governo privilegia agora a CS. Acha que está a corrigir um erro que cometeu na anterior legislatura?
Não creio que tenha sido um erro. O que foi feito foi um acordo com dois parceiros parlamentares que garantiram a estabilidade do modelo governativo. Isso é um valor em si. Essa garantia de estabilidade teve alguns preços mas esse preço, mesmo neste campo específico em matéria laboral, é com certeza perfeitamente equilibrado para o que se ganhou com essa estabilidade.

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O primeiro-ministro fez saber que é na CS que prefere ver agora a negociação.
O programa de governo tem uma série de medidas de grande ambição que precisa de discussão na CS, como a conciliação da vida profissional com a vida familiar. São matérias com tantas variáveis que não tem sentido estar a negociá-las na Assembleia da República. Devem ser preparadas na CS. O governo pode levar à CS os ministros e os secretários de Estado que entender. 

Em relação ao aumento do salário real médio, uma das medidas que tem sido falada é a possibilidade de um referencial de aumento plurianual para a contratação colectiva associado à inflação e produtividade. Um referencial na ordem dos 3,5 por cento é viável? Algo como o que foi feito com Guterres em 1996?​
Quando se fala em 3,5 pretende-se representar 2% do crescimento da economia e 1,5% de inflacção. Mas quem pode dizer que vai ser assim? Por outro lado, temos que olhar para os aspectos sectoriais. Não me parece que a criação de um salário médio fixo seja uma solução de grande utilidade. 

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Qual é a melhor solução?
Deve ser sector a sector. Vamos ter que fazer análises. Salários médios garantidos, como o garantido do salário mínimo, é um pouco ficcional. Pode-se criar metas proporcionais dentro de cada sector e dizer que o salário mediano de um determinado sector deve ser correspondente a uma percentagem do valor do salário máximo e a uma percentagem do valor do salário mínimo. É ter uma chaveta de valores percentual e não andar à volta de um número monetário.

Vê a CGTP a assinar um acordo na CS ou prevê que mais uma vez fique de fora?​ 
Nunca assinou um acordo sobre salário mínimo mas assinou, desde 2004, dois acordos de CS sobre formação profissional e outro sobre outras condições de trabalho. É perfeitamente possível que possa assinar outros acordos. Aqueles que tenham a ver com números concretos e valores talvez sejam mais difíceis de obter o acordo de todos os parceiros do que aqueles em que as declarações sejam mais programáticas. É mais fácil conseguir aí o acordo uma vez que as implicações materiais são menos visíveis. A CGTP é uma confederação muito forte, bem preparada e está sempre disponível para negociar.

Não prevê que nesta legislatura haja mais contestação nas ruas tendo em conta as últimas declarações do secretário-geral da CGTP?
Não me parece que a contestação nas ruas seja determinada por estratégias que não tenham a ver com a realidade social. A CGTP será menos paciente se as condições que ditem o desagrado dos seus associados sejam mais extremas, duras ou injustas. Não atribuo à rua e à estratégia de rua o significado de ser apenas uma arma que se manipula a bel-prazer por razões conjunturais.

Com uma nova legislatura tem de haver nova eleição para o cargo de presidente do CES. Já foi contactado para uma eventual recondução e está disponível para isso? 
Ainda não há agenda na AR para esse efeito, ainda não tenho qualquer espécie de contacto e ainda não tenho uma decisão minha sobre o assunto. Veremos nessa altura. 

Bónus por assiduidade “é uma medida estranha que tem que ter vida curta”

A ministra da Modernização do Estado, Alexandra Leitão, em entrevista ao PÚBLICO, admitiu criar um bónus para funcionários públicos que não faltem ao trabalho, o que pode ser os 25 dias de férias que já existiram. Concorda com uma medida dessas apenas para o público ou alargada ao privado como existiu em 2003?
Essa medida existia na CP nos anos 80 quando havia uma enorme instabilidade laboral. Um bónus por assiduidade é naturalmente um pouco estranho. Não se pode dizer que tenha muita racionalidade. Não quero manifestar-me abertamente contra uma medida dessas mas acho que se for lançada deve ter uma vida curta, deve ser puramente conjuntural e dirigida a uma situação de crise, a sectores onde haja um elevado absentismo injustificado. A atribuição de um bónus por assiduidade pode talvez ser adoptada. Mas são medidas conjunturais, que devem ser adoptadas raramente. Não se pode planear uma estratégia de gestão das retribuições da função pública com base em estratégias desse tipo. Deve-se adoptar estratégias positivas e não negativas.

Está optimista em relação à relação de Alexandra Leitão com os sindicatos da função pública? Vão ser negociações duras?​
Não sei se se pode considerar a ministra uma pessoa dura. O que posso dizer é que é uma pessoa altamente competente e muitíssimo determinada. A competência profissional e o saber explorar também permite saber encontrar alternativas e outras saídas. Isto não é uma disputa de braço de ferro em que estou ali de cotovelo imobilizado com o meu parceiro a ver qual de nós torce o braço do outro. Não é disso que se trata. Na matéria da administração pública, há tantas matérias colaterais que podem ajudar a facilitar a negociação, desde as licenças, as férias, a formação profissional que tem sido tão descurada nos últimos anos. Aí, sim, aí espero que a ministra tenha um papel importante para recuperar a perda do INA, fazer a formação dos funcionários públicos que falta fazer para cumprir aquilo que está no programa do Governo que é admitir um grande conjunto de técnicos superiores, lutar para que possam ser mais bem remunerados de forma a evitar que fujam para o sector privado. Isso são medidas altamente necessárias.

Agora que há um ministério Modernização do Estado, isso significa que este Governo vai governar mais para a função pública? Ou não quer que se passe a ideia de que os funcionários públicos são privilegiados?
Já não tínhamos um ministério da reforma administrativa desde 2002. Perdeu-se por completo a visão estratégica da administração pública. Não é por acaso que em 2012 desapareceu o INA (antigo Instituto Nacional da Administração), a única instituição que pensava estrategicamente a administração pública. Esse trabalho perdeu-se durante anos e agora há uma oportunidade para o recuperar.

Não quer é que se passe a ideia que há privilégios para os funcionários públicos?
Esse conceito tem oscilado tanto ao longo dos anos. Não sei se a Função Pública é privilegiada. É privilegiada em algumas coisas seguramente: emprego razoavelmente garantido, no subsistema de saúde (talvez a parte mais importante dos benefícios) e tem menos cinco horas de trabalho do que os privados. Do ponto de vista de avanço nos graus da carreira, não é privilegiada de maneira nenhuma. Do ponto de vista de retribuição média, há um desnível em relação aos restantes e é por isso que estamos a assistir a um grande êxodo de profissionais como no caso da saúde, onde isso é gritante, e também dos professores.

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