Convenção Cidadã do Clima: um olhar lusófono de uma aspiração francesa

Em Paris, 150 cidadãos franceses discutem em grupos de seis, em torno de pequenas mesas de café, as expectativas que têm em relação à Convenção Cidadã do Clima, o mais recente dispositivo de democracia participativa criado em França.

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Reuters/KIM KYUNG-HOON

Em Paris, 150 cidadãos franceses discutem em grupos de seis, em torno de pequenas mesas de café, as expectativas que têm em relação à Convenção Cidadã do Clima, o mais recente dispositivo de democracia participativa lançado em França com o objectivo de elaborar medidas estruturantes para atingir uma redução significativa das emissões de gás com efeito de estufa.

O sumo dessas conversas é de seguida partilhado em sessão plenária. Ouvem-se declarações de esperança de que o debate resulte “em soluções concretas, úteis e viáveis” e que estas sejam aplicadas. Que as propostas estejam “à altura”, que “sejam ouvidas”, “digam respeito a toda a população francesa” e “sejam do interesse geral”; são palavras que reúnem o consenso na sala.

Depois de uma bateria de sessões de divulgação de especialistas em ciências do clima, sociais e da economia, reúnem-se os mesmos grupos para listar as questões científicas que os experts convidados das próximas sessões deverão esclarecer. No papel de investigadora, eu observo a mesa oito, sorrindo aos convites simpáticos para entrar na conversa. François, camionista, com ar relaxado, avança: “Se nós, franceses, o fizermos [a convenção], mas somos apenas 1% da população mundial, então não serve de nada”. Bernard, muito concentrado, contradiz: “Mas é verdade que se um país der o exemplo...” François volta atrás: “É verdade, é verdade!” Marie tem uma questão ligada às suas dificuldades económicas: “Mobilidade, alimentação, mudança de cada carro (para uma versão menos poluente), quanto mais é que isto me vai custar? Hum, o problema são os industriais!” Amélie acrescenta: “Eu gostaria de saber qual é a parte do nosso efeito [dos cidadãos] em relação ao dos industriais, mas também em relação aos agricultores.” Ao que responde Romain, agricultor reformado: “Não vamos conseguir que uma vaca não emita gases com efeitos de estufa – uma vaca é uma vaca!”

Este curto diálogo diz-nos muito sobre este processo de participação. Que a fisiologia das vacas pareça a maneira óbvia de pensar a redução de gases com efeito de estufa é sinal de que questionar a alimentação actual à base de carne não está no ângulo de visão deste cidadão. Ora, para outros participantes são mudanças de fundo nos modos de vida que estão sobre a mesa, bem como a noção de que nem todos podem assumir pessoalmente os custos da mudança. Este contraste de posições mostra bem a dimensão da tarefa: construir um consenso em temas que dividem profundamente a sociedade francesa, por vezes de forma incendiária como é o caso da taxa de carbono na origem do movimento dos coletes amarelos.

Para confrontar – em vez de camuflar – as divergências, a organização sorteou cidadãos de diferentes idades e perfis socio-económicos, residentes em todas as regiões do país, incluindo habitantes de pólos urbanos, coroas periféricas e zonas externas às cidades, bem como de bairros onde se concentram situações de grande pobreza. Esta “mini-França” deverá conseguir trabalhar a partir do que cada um tem a dizer, nas suas próprias palavras, baseado nas suas experiências, conhecimento e valores. Mas este exercício político não se fica por uma escuta bem intencionada de fulano e sicrano. A convenção deverá construir colectivamente, apoiada pelo estado da arte em diferentes áreas de conhecimento e por uma equipa de juristas, uma série de projectos lei ou propostas de referendo que serão apresentados ao governo e à assembleia nacional: um compromisso inédito na V República. O desafio é ambicioso, o dispositivo sério, os cidadãos implicados. Ficaremos à escuta do que esta experiência contém de mais prometedor.

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