A Filosofia e as (des)humanidades

A Filosofia é, grosso modo, esta sensação. Parafraseando António Variações, a Filosofia provoca sempre esta sensação de que estamos a perder.

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A 28 de Junho de 1759 foi concretizado o primeiro esboço de um ensino estatal e gratuito, ainda que sob a alçada da Igreja Católica. Neste primeiro esboço encontram-se disciplinas como Gramática latina, Grego e Retórica. Passados 13 anos, a disciplina de Filosofia integra o plano curricular do ensino preparatório (equivalente ao ensino secundário actual).

Não é minha intenção elaborar um itinerário sobre a evolução do sistema educativo em Portugal. Contudo, parece-me ser urgente reflectirmos sobre o rumo, a finalidade, os pressupostos e as repercussões que estruturam a Educação em Portugal.

Como já seria de esperar, permitam-me puxar a brasa à minha sardinha. A Filosofia, essa demiurga esquiva que tanta perplexidade causa. A natureza da disciplina coloca, constantemente, em causa a possibilidade do seu ensino. Indagar se o plano curricular desta disciplina corresponde à actividade da própria é mais do que válido. Acho que a resposta acertada seria negativa. O plano curricular é mais uma História Conceptual da Filosofia, do que a Filosofia propriamente dita. Todavia, é um equilíbrio necessário.

- Mas, então – perguntais vós – como é que se ensina o que não é ensinável?
- Ora, portanto, não se ensina.
- Se não se ensina, o que se faz? – Continuais.
- Sugere-se. Pratica-se. Demonstra-se.

A Filosofia é, essencialmente, praticável e reflexiva. Para que o conhecimento suscite algum efeito, é necessário um princípio de familiaridade: digamos que aproximar o conteúdo o mais possível das práticas diárias dos alunos é fundamental. Por exemplo, à vista de um jovem de 15 anos, estética (não confundam com cosmética) e ética não parecem ter muito em comum. Contudo, se questionarmos o aluno se mataria uma borboleta com a mesma rapidez com que dava uma chinelada numa barata, conseguiríamos sugerir uma relação entre ambas as áreas. E voilá, Platão! Através de uma prática concreta demonstramos como a Filosofia não nos é, de todo, assim tão estranha.

Talvez o problema aqui seja exactamente o oposto. Está tão próxima e tão enraizada que não conseguimos distinguir o que somos e o que ela é. Mas, afinal, o que é ela? Num primeiro momento, é este exercício de olhar para aquilo que nos parece óbvio com um certo espanto. Estão a ver aqueles lugares a que estamos fartos de ir, achamos que já os conhecemos e, de repente, apercebemo-nos de um objecto insólito? Dizemos: “Aquilo não estava ali da última vez.” E alguém responde: “Estás a brincar? Aquilo está ali desde sempre, ainda tu nem eras nascido.”

A Filosofia é, grosso modo, esta sensação. Parafraseando António Variações, a Filosofia provoca sempre esta sensação de que estamos a perder.

Como se pode vislumbrar no noticiário, nos jornais, nos recreios das escolas, nas salas de aula, entre outros lugares, estamos, definitivamente, a perder. Entre muitas coisas, humanidade. Os clichés institucionais que não dão margem à criatividade, a automaticidade no trabalho que tirou o lugar à relação humana, as crises internacionais que estão na ordem do dia, as eleições de partidos extremistas que são cada vez mais frequentes. Não há remédios santos, mas a tomada de consciência individual e colectiva, à qual a reflexão e o conhecimento filosóficos nos convidam, é uma peça essencial da Educação e, consequentemente, do desenvolvimento da sociedade.

As Humanidades não se intitulam assim por mero acaso. É um imperativo categórico prestar-lhes atenção.

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