Procuradora-geral pede parecer sobre limite dos poderes das chefias do Ministério Público

A dúvida sobre os limites da acção dos procuradores foi suscitada depois de o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal não ter autorizado a audição de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa no caso do assalto a Tancos.

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Nuno Ferreira Santos

Após uma deliberação do plenário do Conselho Superior do Ministério Público, que esteve mais de cinco horas a discutir os limites aos poderes dos superiores hierárquicos na sequência de uma ordem polémica do director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal no caso de Tancos, a procuradora-geral concordou em pedir um parecer sobre esta questão ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, à luz do novo estatuto desta magistratura, que entra em vigor em Janeiro.

Isto porque, a nova versão do Estatuto do Ministério Público, introduz algumas alterações à norma que prevê o limite aos poderes directivos, que passa do artigo 79 para o artigo 100. “A intervenção processual do superior hierárquico efectua-se nos termos do presente Estatuto e da lei de processo “, lê-se no novo ponto dois. Para alguns membros do conselho esta nova norma restringe a intervenção da hierarquia nos casos criminais ao que está expressamente previsto no Código Processo Penal, um entendimento que muitos já faziam à luz do actual estatuto, mas que não era consensual. Tal significa que os superiores hierárquicos não podem intervir num caso concreto a não ser nas situações de arquivamento. Isto, além de poderem chamar a si a direcção da investigação ou redistribuir o caso a outro procurador. 

A discussão que vários membros do conselho apelidaram de “intensa” não culminou com qualquer conclusão, tendo a procuradora-geral da república, Lucília Gago, optado por não tomar uma posição sobre o assunto. Isto apesar de publicamente ter defendido que a ordem do director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) que travou a inquirição do primeiro-ministro António Costa e do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, como testemunhas, no caso de Tancos, estava enquadrada dentro dos poderes daquele magistrado.

Aliás, o despacho do director do DCIAP que, segundo a revista Sábado, terá ainda ordenado aos três procuradores titulares do inquérito que suprimissem perguntas escritas enviadas a algumas testemunhas, pairou sempre sobre a discussão desta terça-feira, apesar da maior parte dos membros ter optado por reflectir sobre uma instrução deste tipo dada por um director do DCIAP de forma abstracta.

Ao contrário do que insiste o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, uma parte significativa dos membros entendeu que o director do DCIAP tinha poderes para tomar uma decisão daquele tipo. Mas a maioria dos que defenderam a possibilidade legal do director do DCIAP intervir desta forma, apresentou muitas reservas quanto ao facto de tal ocorrer fora do processo-crime, como aconteceu em Tancos, em que o despacho do responsável máximo daquele departamento não foi integrado no inquérito.

Na semana passada, o SMMP divulgou um comunicado com seis páginas, intitulado “Restabelecer a legalidade no Ministério Público”, onde se insurge contra práticas “ilegais” que se instituíram nesta magistratura, por vezes de forma informal, à margem do Código Processo Penal. E pede a Lucília Gago e ao Conselho Superior do Ministério Público para proibirem e punirem o que chama de “práticas ilegais”.

“O superior hierárquico não pode dar ordens ao magistrado do Ministério Público titular de um inquérito para este acusar ou arquivar um processo contra determinada pessoa”, lê-se no comunicado. E acrescenta-se: “O superior hierárquico não pode igualmente ter interferência nas diligências de produção de prova, isto é, não pode determinar ou impedir a realização de buscas ou intercepções telefónicas, a constituição de arguidos ou inquirição de testemunhas, tal como também não pode determinar o teor de perguntas, sugerir que se façam outras ou se suprimam algumas que entenda não serem adequadas.”

Mas o que aconteceu em Tancos não é a única situação a alarmar o sindicato, que condena outro tipo de “instruções” para que os procuradores não deduzam acusações sem antes as submeterem à apreciação do seu superior hierárquico. “Esta prática ilegal liquida por completo a autonomia interna dos magistrados, transformando-os em ‘meninos de escola’ que mostram os seus trabalhos de casa ao ‘professor’ para que este os aprecie e lhe anote os erros”, afirma o SMMP, que condena igualmente orientações para que os procuradores não peçam absolvições no final dos julgamentos, mesmo que considerem que não foi feita prova dos crimes.

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