Violência doméstica: quase 10 mil crianças agredidas em quatro anos

Psicólogo António Castanho analisou números da secretaria-geral do Ministério da Administração Interna na conferência internacional sobre violência doméstica. Em 114 mil avaliações de risco, 74% dos agressores usaram força física e 8,5% dos casos atingiram crianças. Mais de 9200 mulheres estavam grávidas ou tinham filhos com menos de 18 meses.

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Francisco Romao Pereira

Em quatro anos as forças de segurança registaram 114 mil avaliações de risco de violência doméstica. Desse total, em cerca de 74% dos casos os agressores usaram violência física contra a vítima. E em 8,5% foi usada a força física também contra crianças, ou seja, 9697 menores sofreram agressões em contexto de violência doméstica. 

Estes números foram divulgados pelo psicólogo António Castanho, a partir da base de dados da secretaria-geral do Ministério da Administração Interna, da qual faz parte, e que inclui o período entre 1 de Novembro de 2014 e 31 de Dezembro de 2018. Da análise conclui ainda que 8,5% das vítimas, mais de 9200, estavam grávidas ou tinham um bebé com menos de 18 meses. Em 21% dos casos a violência dos agressores estendeu-se ao resto do agregado familiar.

António Castanho, também membro da Equipa de Análise Retrospectiva de Homicídio em Violência Doméstica, falava na conferência internacional Violência Doméstica: O papel dos advogados, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, organizada esta terça-feira pela Ordem dos Advogados, numa intervenção com o tema Comecemos pelo princípio… e as crianças?

O psicólogo recordou que, em 14 anos, mais de mil crianças ficaram órfãs por causa de violência doméstica, segundo dados da associação de familiares e amigos de vítimas de femicídio (ACF) já divulgados. No mesmo período — entre 2004 e 2018 — um total de 503 mulheres foram assassinadas, lembrou. 

António Castanho recordou ainda que entre 1 Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2018 cerca de 84.767 das situações de violência doméstica registadas pelas forças de segurança foram presenciadas por crianças/jovens. Ou seja, desdobrando em percentagens: em 37,7% das situações de violência doméstica estavam crianças presentes. 

“A violência doméstica interrompe, destrói e tem impacto na vida de milhares de crianças em Portugal”, disse. As crianças marcadas pela violência doméstica têm sido rotuladas de vítimas “silenciosas”, “esquecidas”, “não-intencionais”, “invisíveis’ ou “secundárias” da violência doméstica, acrescentou. 

Citando vários estudos, António Castanho disse que “as crianças expostas à violência doméstica têm um aumento do risco de problemas psicológicos, sociais, emocionais e comportamentais, incluindo perturbações do humor e ansiedade, PSPT, abuso de substâncias e problemas académicos”. Além disso, as investigações apontam para uma transmissão intergeracional da violência com impactos psicológicos, de saúde, comportamentais e socioeconómicos, acrescentou. 

Dar respostas no dia a seguir a um episódio de violência doméstica, dar uma resposta imediata às crianças vítimas de homicídio a nível nacional ou fazer uma triagem de violência doméstica em consultas de Obstetrícia, Planeamento Familiar e Pediatria são alguns das soluções que o sistema deve prever, avaliou. 

“O stress e o trauma na infância não é algo que simplesmente se supere com o tempo. A intervenção precoce, a redução da exposição à violência e intervenção psicológica têm impacto positivo no desenvolvimento do cérebro e na saúde mental”. E concluiu: “Podemos fazer muito mais para quebrar o ciclo da violência.”

Na abertura da conferência esta manhã, a procuradora-geral da República (PGR) alertou para o impacto que a violência doméstica tem na vida de milhares de crianças e jovens, podendo tornar estas vítimas em possíveis agressores pelo efeito de uma transmissão intergeracional. A violência doméstica é um “fenómeno social grave, complexo e altamente impactante na vida de milhares de adultos, mas também na vida presente de futura de milhares de crianças e jovens”, disse Lucília Gago.

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