Em 2017 o potencial de aquecimento global aumentou 6,9% em Portugal

A seca e os grandes incêndios daquele ano contribuíram para estes resultados. Francisco Ferreira da Zero diz-se seguro de que os dados de 2018 e 2019 serão já muito diferentes.

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A seca de 2017 levou ao uso de mais energia proveniente do carvão e do gás ADRIANO MIRANDA

A relação entre as contas nacionais e as contas do ambiente, em particular as emissões atmosféricas, que o Instituto Nacional de Estatísticas (INE) analisa anualmente, mostram que, em 2017, o potencial de aquecimento global aumentou 6,9% em Portugal, superando o crescimento económico. Os dados confirmam uma tendência que se faz sentir desde 2015, depois de oito anos em que esse indicador tinha decrescido.

Os dados foram divulgados esta sexta-feira e indicam que, no ano em análise, os três indicadores mais importantes para “a avaliação dos efeitos ambientais dos vários gases emitidos pelos ramos de actividade e pelas famílias” aumentaram. Eles são o potencial de aquecimento global (6,9%), o potencial de acidificação (1,4%) e o potencial de formação de ozono troposférico (1,3%). Já a actividade económica, medida pelo valor acrescentado bruto, cresceu “em termos reais, 3,3%”, refere-se no documento.

Estas “contas das emissões atmosféricas” permitem estabelecer uma ligação entre a economia e as questões ambientais, com dados que ajudam a perceber de que forma é que as actividades económicas e as famílias contribuem para a degradação do ambiente, seja através da produção ou do consumo.

Os números de 2017 indicam, por exemplo, que o aumento do potencial de aquecimento global resulta, sobretudo, do aumento de emissões de dióxido de carbono em 8,4%. O INE indica que o ramo que mais contribuiu para este aumento foi o da energia, água e saneamento (30,8%) e tem uma explicação para isso: Portugal ainda depende muito da produção de energia proveniente dos recursos hídricos (barragens) e, quando não chove, as consequências notam-se de imediato. “O ano de 2017 foi classificado como extremamente quente e seco, o que teve reflexos na produção de energia hídrica, particularmente em comparação com 2016, que foi um ano normal em termos de precipitação. Esta situação aumentou a necessidade de produção de electricidade a partir de combustíveis fósseis (nomeadamente do carvão, cujo consumo voltou a subir, e do gás natural) e, naturalmente, gerou mais emissões de potencial de aquecimento global, entre outras”, explica o INE.

Tudo isto reflecte-se também na intensidade das emissões – rácio entre o potencial de aquecimento global e o valor acrescentando bruto – e os dados de 2017 apontam para um aumento de 3,5% da intensidade dos gases com efeito de estufa, “essencialmente à custa do aumento observado na energia, água e saneamento”, refere-se.

Seca, incêndios e fim de crise

Francisco Ferreira, da associação ambientalista Zero, já contava com estes dados negativos para 2017, referindo que esse “foi realmente o ano de pico de emissões”. A seca, referida na análise do INE, foi um dos factores preponderantes, mas há mais, indica. “Tivemos uma situação de seca que nos levou a recorrer mais às centrais a carvão e a gás natural para a produção de energia e tivemos também uma área ardida acima dos 500 mil hectares, o que significou uma enorme componente de emissões. Todo o carbono que estava retido nessa floresta foi passado à atmosfera. Além disso, há a acrescentar a recuperação económica. No pós-crise estamos a aumentar ligeiramente as nossas emissões, apesar das medidas de investimentos nas renováveis, etc.”, diz.

O ambientalista não tem dúvidas de que “vai haver uma enorme diferença” quando forem conhecidos os dados de 2018 e de 2019. “Basta olharmos para a produção de electricidade e para as áreas ardidas nestes anos [muito mais pequenas]”, refere.

Os outros dois indicadores analisados pelo INE apontam para aumentos bastante mais pequenos. O potencial de acidificação aumentou 1,4% e não se registam alterações, desde 2009, sobre o sector que mais contribui para a emissão de gases acidificantes: é a área da agricultura, silvicultura e pesca, por causa das emissões de amoníaco, revela a análise.

No que se refere ao potencial de formação de ozono troposférico, o aumento foi de 1,3%. Os maiores contributos para estes dados vêm da indústria (32,9%), das famílias (25,9%) e dos transportes e armazenagem (13,5%).

As contas das emissões atmosféricas são utilizadas na construção do indicador que permite monitorizar a meta europeia que estabelece que até 2030 deverá ocorrer uma modernização das infra-estruturas e uma reabilitação das indústrias que permitam “torná-las sustentáveis, com maior eficiência no uso de recursos e maior adopção de tecnologias e processos industriais limpos e ambientalmente correctos, com todos os países actuando de acordo com as respectivas capacidades”.

Os dados recolhidos entre 2008 e 2017 mostram que, em Portugal, a emissão de dióxido de carbono por unidade de valor acrescentado bruto “decresceu 11,2%”. Contudo, desde 2015 que a tendência descendente se inverteu, tendo-se registado nesse ano um aumento de 6,5% e, em 2017, de 4,9%. Números que o INE associa directamente à seca e às implicações que esse factor teve na produção de energia hídrica.

Na média dos 28 países da União Europeia, para o mesmo período (2008-2017), houve um decréscimo de 21,3% daquele indicador. Desde 2014 que esses valores médios têm sido inferiores aos registados em Portugal.

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