Pequeno Dicionário Pós-eleitoral

António Costa tem agora todas as condições para ser verdadeiramente o homem de que o país precisa nas presentes circunstâncias históricas. Quererá sê-lo?

Abstenção: O crescimento da abstenção constitui, sem sombra de dúvidas, um dos maiores problemas das democracias contemporâneas. A grande questão em torno deste assunto é mesmo a de saber se estamos perante uma anomalia contingente, e como tal susceptível de ser historicamente corrigida, ou perante uma característica estrutural associada à essência das democracias modernas. Em pleno século XIX o liberal Alexis de Tocqueville, autor de uma das mais extraordinárias reflexões sobre o fenómeno democrático, alertou para o risco de uma excessiva retracção cívica do indivíduo moderno. Só não soçobrou num absoluto pessimismo porque vislumbrou nas vibrantes manifestações de democracia local observadas nos EUA o antídoto para tão inquietante tendência. Depois dele o pensamento republicano francês abordou igualmente o assunto projectando na escola a responsabilidade e a expectativa pela resolução de tal problema. A verdade é que o corte entre o indivíduo e o cidadão se tem vindo a acentuar. Para isso concorrem múltiplos factores. Alguns serão de ordem mais conjuntural reclamando a adopção de mudanças concretas e imediatas – uma delas tem que ver com o sistema eleitoral. Não sei se haverá condições na legislatura que agora se inicia para levar a cabo uma reforma neste domínio. Temo francamente que não e, contudo, essa reforma poderia contribuir para a recuperação do prestígio dos partidos políticos e para a revalorização do mecanismo da representação parlamentar.

António Costa: Em tempos defini-o aqui nestas páginas como um príncipe da ambiguidade esclarecida. Os cortesãos vislumbraram nisso um insulto, alguns espíritos mais descomprometidos valorizaram o que soava bem aos respectivos ouvidos, alguns homens lúcidos admitiram estar perante um elogio. Tinham razão estes últimos.

Não há grande política sem uma elevada dose de subtileza na abordagem dos assuntos. Há, porém, um risco enorme que um príncipe da ambiguidade corre: o de se transformar num enigma irresolúvel para si próprio. Quando assim sucede advém a hesitação no pensamento e a paralisia na acção. Tudo passa a girar em volta da mera vontade de subsistir. A irresolução é filha de uma patológica tentação pela permanência.

Creio que este é o momento decisivo na vida política de António Costa. Agora é que se vai revelar a sua verdadeira natureza: ou ele é um homem hábil mas resignado que só aceita transgredir quando está em jogo a sua própria sobrevivência ou, pelo contrário, é um homem corajoso que está disponível para levar o sentido da transgressão até ao limite de se pôr inteiramente em causa. Não há especial mérito em transgredir com as regras estabelecidas quando se está perante a iminência da morte; há indiscutível grandeza em fazê-lo quando tal significa a aceitação do risco de morrer. Felizmente, aqui a morte é sempre em sentido figurado, o que não significa que não contenha na mesma uma dimensão trágica.

Ao ganhar as eleições de forma concludente António Costa adquiriu uma nova liberdade. Não depende de ninguém para ser primeiro-ministro. O país, incluindo uma parte significativa do que não votou nele, reconhece-lhe inequívocas qualidades políticas. É hoje um homem apreciado e respeitado em todos os quadrantes políticos europeus. Percebe-se que desfruta de uma lúcida compreensão do que se passa no mundo. Tenho a certeza que equaciona com rigor os principais desafios que se colocam à sociedade portuguesa. Por isso mesmo, a liberdade que os resultados eleitorais lhe concederam outorga-lhe uma imensa responsabilidade.

António Costa tem condições para iniciar uma nova fase na sua acção governativa. O país não pode limitar-se a viver tranquilamente. Ou habitualmente, como alguém dizia noutros tempos. O país precisa de arrojo, de energia reformista, de alguma crispação útil, de uma constante tensão criativa.

António Costa tem agora todas as condições para ser verdadeiramente o homem de que o país precisa nas presentes circunstâncias históricas. Quererá sê-lo?

Assunção Cristas: Foi muito digna na hora da derrota. Saiu. É demasiado nova para não voltar.

Catarina Martins: Ser ou não ser social-democrata, eis a questão. Já aqui o disse e repito: cometi o erro de a subvalorizar. Concorde-se ou não com o que diz e propõe, haverá que reconhecer que adquiriu o estatuto de uma verdadeira líder. É a principal responsável pelo consistente processo de afirmação política e eleitoral do Bloco de Esquerda. Este é agora um verdadeiro partido nacional com que haverá que contar durante muito tempo.

Jerónimo de Sousa: Os últimos moicanos suscitam sempre uma espécie de empatia melancólica. Na Europa Ocidental o modelo comunista que o PCP representa já desapareceu há muito tempo, o que não significa que a utopia comunista esteja destinada a morrer. Pelo contrário, creio que a utopia vai sobreviver à morte das suas realizações concretas. E fico feliz porque assim seja. A humanidade seria pior sem essa utopia.

Rui Rio: É provável que não tenha condições para resistir na liderança do PSD, mas alcançou um estatuto político que lhe garante a sobrevivência no panorama cívico nacional. Ninguém teria tido melhor resultado do que aquele que ele alcançou. Um acto eleitoral não pode ser avaliado apenas em função dos acontecimentos mais recentes que o precedem. O PSD ainda transporta consigo a carga eleitoral negativa de quem teve de aplicar políticas duríssimas no tempo da troika. Há uma elevada dose de injustiça nessa apreciação, mas a vida é o que é e muitas vezes não é justa.

Rio foi profundamente e profusamente maltratado por quase todos os bobos da corte lisboeta. Da ultra-provinciana corte lisboeta.

Politólogos: Subvertendo a ordem alfabética deixo para o fim estas aves raras que surgiram em inusitada quantidade nesta campanha eleitoral. Depois de ouvir muitos deles tirei uma conclusão: em Portugal um politólogo é um astrólogo sem imaginação.

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