Cartaz que prometia shots grátis a mulheres que se beijassem divide estudantes de Coimbra

Um cartaz a publicitar uma festa de estudantes em Coimbra oferecia shots em troca de beijos, mergulhos de biquini, ou “mostrar as mamas”. A oferta era “válida apenas para as meninas”. A secção de Defesa dos Direitos Humanos da Associação Académica de Coimbra reuniu-se e publicou uma “nota de repúdio”.

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A festa não estava relacionada com a praxe, dizem os membros da tertúlia Capas & Kopos. Jia Jia Shum/Unsplash

Um cartaz mostrava o preçário de shots numa festa não com valores mas com “desafios” – válidos “apenas para meninas”. No convívio da tertúlia dos Capas & Kopos, que se identifica como um movimento praxístico de Coimbra, uma mulher que participasse na festa poderia ganhar um shot se fizesse “uma declaração ao falo do Maia [um dos membros do grupo]”; dois shots se beijasse alguém ao balão das bebidas, três se beijasse uma amiga. “Um ‘xoxo’ não é um beijo!”, avisava-se, no final do cartaz partilhado no Facebook e afixado na festa que se realizou a 1 de Outubro, conforme mostra uma das imagens partilhadas na mesma rede social.

A secção de Defesa dos Direitos Humanos da Associação Académica de Coimbra (SDDH/AAC) recebeu “várias denúncias” de membros e outros estudantes “logo após a publicação do cartaz”, conta a presidente da secção, Luiza Ambrósio. O cartaz já não está disponível online. “Lamentavelmente, o cartaz foi denunciado e apagado da página do Facebook do evento, da noite para o dia”, disse ao P3 a Capas & Kopos.

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O cartaz que foi publicado no Facebook e afixado no local da festa DR

A 4 de Outubro, já depois da festa, a SDDH/AAC publicou, no Facebook, uma “declaração de repúdio” perante o “jogo proposto” que, afirmam, “é uma ofensa aos direitos da mulher enquanto pessoa humana, uma vez que tratam o corpo feminino como uma moeda de troca com o objectivo único de entretenimento masculino”. “O conteúdo exposto neste flyer reforça os estereótipos e a violência de género, a reprodução de mensagens sexistas, a fetichização das relações de intimidade entre mulheres, a objectificação e subordinação da mulher e do seu corpo e a promoção da masculinidade tóxica”, acusam. “Não há mais tolerância a isso, é passada a hora de mudanças”, conclui a nota redigida após uma “reunião de duas horas”.

“A festa decorreu sem qualquer incidente”, garantem os organizadores. “A polícia deslocou-se até ao espaço por causa do sistema de som amplificado e pela carência de licença de barulho”, notam. A 7 de Outubro, uma semana depois do convívio, os membros da tertúlia publicaram um vídeo de resposta à declaração de repúdio da associação. “Se a mulher é imputável e capaz de pensar, de se auto-determinar, como é que uma secção da Associação Académica de Coimbra se acha na legitimidade e na obrigação de determinar o que uma mulher pode ou não fazer?”, lê um dos estudantes que deixa claro que a comunicação não se trata de “um pedido de desculpas”. “O perigo dos ismos exacerbados e atentadores das liberdades pessoais de cada um, infelizmente, chegou à academia”, continua a nota, redigida “enquanto ouviam Zeca Afonso”. “Todos estamos a favor do mesmo, isto é, das liberdades pessoais.”

Para Cristiana Vale Pires, membro da associação Kosmicare e uma das responsáveis pela iniciativa Ponto Lilás (estrutura que esteve presente em eventos nocturnos, festivais de Verão e festas académicas com especialistas prontos a prevenir situações de violência sexual ou de género)​ os promotores dos eventos “têm uma responsabilidade acrescida no tipo de mensagem que disseminam aos colegas e na forma como dão legitimidade a um determinado tipo de práticas”. A investigadora defende que a diferenciação é sexista “porque estas ofertas não estão disponíveis para homens e o que as mulheres dão em troca é para consumo masculino”. “E uma comunicação sexista mantém as assimetrias entre homens e mulheres e mantém a legitimidade cultural para agressões sexuais e violência sexual contra mulheres”, acrescenta. ​

Luiza Ambrosio ficou “surpreendida com o cartaz”. Não por incentivar comportamentos sexuais em troca de álcool, mas “por o fazer de forma estruturada e planeada”, explica a estudante da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. “O sistema de oferecer bebidas em troca de beijos é muito comum na noite de Coimbra”, diz.

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