Abandonou a família, fugiu para a Tailândia e desapareceu

Tal como viriam a ser os seus filhos Lucas e Theo, Jean-François Hernández também foi futebolista, mas ninguém sabe dele há mais de uma década.

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Será possível desaparecer no mundo e não ser encontrado? Será possível não deixar qualquer rasto ou pegada digital num mundo alimentado pela conectividade permanente? A resposta só pode ser sim, sobretudo se estivermos muito empenhados em não sermos encontrados. Tal parece ser o caso de Jean-François Hernández, um antigo defesa-central francês que passou pelo Marselha e pelo Atlético de Madrid, pai de Lucas, lateral do Bayern, e de Theo, lateral do AC Milan. Ninguém sabe por onde ele anda, nem os próprios filhos, que abandonou há mais de dez anos. Desapareceu. Pode até já ter morrido. Mas também pode dar-se o caso de Jean-François, que os colegas tratavam por “Jeff”, não querer ser encontrado e sentir-se bem assim, algures no mundo e com outra identidade.

“Passaram 16 ou 17 anos e não sabemos nada sobre ele. Não sei onde está o meu pai, não sei o que ele faz, não sei se está vivo ou morto”, contou recentemente Lucas Hernández, lateral-esquerdo do Bayern Munique e campeão mundial com a selecção francesa em 2018. “Nunca percebemos por que razão ele se foi embora. Um dia, ele desapareceu e nunca mais soubemos nada dele”, acrescentou o jovem futebolista de 23 anos. “Nunca tentei encontrá-lo. Quando era mais novo, ainda pensava nisso e gostava de saber mais. Para mim, é perfeitamente claro que ele foi embora porque não nos amava e, se foi esse o caso, foi pelo melhor.”

Lucas tinha cinco anos e Theo tinha quatro quando Jean-François se separou, em 2001, de Laurence Py, a mãe dos seus dois filhos. Na altura, o francês já estava na fase descendente da carreira, a cumprir a etapa final no futebol espanhol. Representava, na época, o Atlético de Madrid, colega dos portugueses Dani e Hugo Leal, depois de ter passado duas temporadas no Rayo Vallecano (no qual terminaria a carreira), onde teve também companhia portuguesa, de Hélder Baptista, um médio que tem sido, nos últimos anos, adjunto de Pedro Caixinha.

“Desapareceu? Desconhecia completamente essa situação. Agora fiquei curioso. O que até é estranho. Era bastante sociável com todos. Foi mais que um ano, foram dois ou três. Era bom colega, bom profissional. Mas não posso comentar nem opinar, não sei nada”, é tudo o que Hélder conta ao PÚBLICO sobre o seu ex-colega no Rayo nas épocas 1998-99, 1999-00 e 2001-02. A etapa espanhola era a fase final da carreira de Jeff, depois de mais de uma década a jogar em França, com passagens por Toulouse, Sochaux e Marselha, onde nasceram Lucas (em 1996) e Theo (em 1997). De Marselha, onde sofreu uma lesão grave no joelho direito, o central francês saltou para Compostela e, depois, foi para Vallecas, um bairro na periferia de Madrid, com uma passagem pelo Atlético pelo meio.

Hernández era um central canhoto com 1,90m, forte na marcação e no jogo aéreo, nunca tendo chegado, no entanto, à selecção francesa. Em 2001, saiu de casa e, segundo contava Laurence Py numa entrevista à France Football, ela e as duas crianças foram despejadas. “Uma manhã, apareceram os oficiais de justiça à minha porta e disseram-me que tinha duas horas para meter tudo no carro. Fomos para um quarto de hotel e, depois, para um pequeno apartamento”, conta Laurence Py, que era esteticista e que sustentou a família com a ajuda dos pais e do irmão. Do pai dos rapazes, nada.

No ano seguinte, Jeff Hernández deixou de ser notícia na imprensa desportiva (deixou de jogar futebol) e passou a aparecer com regularidade na imprensa cor-de-rosa, assumindo uma relação com Sonia Moldes, uma apresentadora de televisão. Conheceram-se em 2002, casaram-se em Abril de 2003 e tiveram uma “paradisíaca lua-de-mel na Polinésia francesa”, segundo contava a revista Hola, adiantando que Hernández dizia ser “a viagem mais bonita da sua vida”. A ideia, dizia o casal, era viver em Madrid e gerir um espaço nocturno com discoteca e restaurante, mas também ir passar umas temporadas à Tailândia onde, segundo Sonia Moldes, Jean tinha alguns terrenos e pretendia “começar negócios”.

A relação não terá durado mais do que um ano. E é mais ou menos a partir daqui que se perde o rasto a Jean-François Hernández. Sem a influência do pai ausente, Lucas e Theo foram para o futebol, crescendo ambos nas escolas do Atletico Majadahonda, um clube de Madrid, do qual se mudaram para o Atlético Madrid. Eram ambos canhotos, como o pai, e ambos foram para a defesa - ambos são laterais esquerdos embora Theo, que depois assinou pelo Real Madrid, também jogue a central. E há outra coincidência. Jean-François estava no Atlético quando um jovem de 17 anos chamado Fernando Torres se estreou pelos “colchoneros”, em 2001. Dezassete anos depois, em 2018, Lucas esteve no adeus de “El Niño” ao Atlético.

De Jeff, sabe-se que foi mesmo viver para a Tailândia. Testemunhos de antigos colegas diziam que estava cheio de dívidas e que tinha de sair de Espanha. “Tínhamos uma relação próxima e um dia ele ligou-me a dizer que ia para a Tailândia. Depois disso, nada...”, contava em 2018 ao jornal L’Équipe Franck Passi, antigo colega de Hernández no Toulouse e no Compostela. “Tive amigos que o encontraram na Tailândia, há três, quatro anos. O Jeff sempre foi assim, um tipo adorável, mas com as suas particularidades, independente... Não me espanta”, diz este antigo médio.

Há relatos que colocam Hernández como dono de uma pequena loja numa zona turística em Ko Samui, a segunda maior ilha na Tailândia, mas mesmo esse rasto também se perdeu. Há histórias em fóruns de futebol de gente que diz tê-lo encontrado e falado com ele sobre futebol, mas são de credibilidade mais que duvidosa. Não reapareceu quando o filho Lucas se sagrou campeão do mundo no Verão passado com a selecção francesa, nem quando o filho se transferiu do Atlético para o Bayern por 80 milhões de euros.

“Agora, que sou pai, percebo melhor o que ele me fez. Se um dia o encontrar, teremos uma conversa, mas uma coisa é certa, nunca irei abandonar os meus filhos”, garante Lucas Hernández, pai de Martin, nascido em Agosto do ano passado. Se estiver vivo algures no mundo, Jeff Hernández terá 50 anos. E é avô.

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