Cooperativismo, para desbloquear o problema da habitação

É urgente criar condições para que as pessoas habitem onde querem viver, próximo dos seus locais de trabalho ou das suas áreas de convivialidade, diminuindo trajectos diários, criando redes de vizinhança e solidariedade e desmercantilizando os espaços públicos.

O ministro Pedro Siza Vieira anunciou a abertura de “uma linha de crédito disponível para as empresas que possam ser afectadas pela insolvência da Thomas Cook (...) cerca de 150 milhões de euros (...) o crédito por empresa pode chegar até cerca de um milhão e meio de euros”. Como se perceberá, é uma linha de crédito vocacionada para financiar as grandes empresas, provavelmente com sede fora de Portugal, e sem qualquer reserva que garanta a criação de postos de trabalho, ajustamento ambiental ou condicionamento à distribuição de lucros. Ou seja, do ponto de vista dos contribuintes, desastroso. Não é mais que a clássica medida em que se despeja dinheiro público para cobrir falências privadas de modo a que nada de estrutural se altere.

Nos últimos anos tem vindo a ficar cada vez mais insustentável o profundo atraso de Portugal em políticas de habitação não especulativas. Os insustentáveis milhões destinados ao turismo, as rendas bancárias com a proprietarização da habitação e os irrisórios 2% de habitação pública têm alimentado um sistema em ruptura. A única resposta possível é um forte investimento na produção de habitação pública e a criação de condições urgentes para que as pessoas, com as suas poupanças e incentivos públicos desviados da banca e do turismo, possam fazer parte do mercado de produção e reabilitação de casas sem fins especulativos.

Este é um mercado de habitação que urge massificar. De produção associativo-comum, de propriedade comum ou partilhada, de carácter cooperativo, para o qual as oscilações do valor de mercado são irrelevantes. A casa é produzida para ser habitada por um valor estabelecido e associado aos seus custos de produção/manutenção. Nunca está sujeita a poder ser considerada como uma mercadoria com um valor potencialmente mais alto em função do que acontece à sua volta. Algo que sempre foi prática corrente em países como a Alemanha, Holanda ou Suíça, e que está a ganhar um forte impulso no Estado espanhol com a associação entre banca cooperativa ou ética e alguns municípios, mas que em Portugal tem encontrado inúmeros opositores para que possa aspirar a umas migalhas do OE.

Um dos primeiros obstáculos é a tese que os processos cooperativos passados não correram bem. Sendo certo que os anos 80 e 90 foram particularmente vorazes para o sector cooperativo, tendo sido permitido e estimulado que se afastasse do seu carácter não especulativo para que algumas cooperativas de habitação se transformassem em pouco mais do que construtoras encapuçadas, isso não nos deve fazer abdicar de um sistema que funciona em todo o mundo. Ou melhor, isso deve-nos fazer pensar sobre o modelo e as instituições que o tutelam e não sobre a sua necessidade.

Outro dos argumentos, particularmente usado por quem vive do imobiliário e orbita em torno do poder, é o medo. O medo da inconstitucionalidade, ilegalidade ou da União Europeia. O medo que afecte o mercado (por mais grotesco que ele seja). Mesmo numa época em que Berlim discute a expropriação dos fogos de sociedades imobiliárias monopolistas e tenha decretado o congelamento das rendas, em que Barcelona municipaliza as licenças de habitação de fogos devolutos e em que no Reino Unido se discute a criação de Parcerias Público-Comum.

Demonstrada a pouca consistência destes dois argumentos, chega o terceiro para quem decide avançar. É preciso estudar, regulamentar e orçamentar. Tudo aquilo que não foi necessário para, em poucos dias, desencantar uns milhões para as grandes empresas do turismo beliscadas por uma falência e mesmo quando o problema da habitação está no centro das preocupações da maioria.

Sendo certo que é urgente alterar profundamente o sistema de consumo, para dar uma resposta efectiva aos medos esses sim, bem reais e fundamentados – decorrentes das alterações climáticas, está à vista de todos a insustentabilidade de mais estes 150 milhões de euros públicos esbanjados no turismo. Ao invés, é urgente criar condições para que as pessoas habitem onde querem viver, próximo dos seus locais de trabalho ou das suas áreas de convivialidade, diminuindo trajectos diários, criando redes de vizinhança e solidariedade e desmercantilizando os espaços públicos.

A luta pelo futuro também passa por descolonizar o imaginário travando a repetição de políticas lesivas do interesse comum e experimentado desenhar outras respostas que, de facto, nos ofereçam outros caminhos.

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