“Nós, os jornalistas do Monde”: Redacção quer vetar entrada de novos accionistas

A aquisição de parte do jornal por um milionário checo no ano passado instalou uma crise entre a redacção e os administradores.

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Em 2010, o Le Monde foi comprado por investidores privados Charles Platiau / Reuters

Os jornalistas e editores do diário francês Le Monde enfrentam um desafio histórico que, dizem, pode pôr em causa a independência de um dos mais importantes jornais europeus.

Esta semana, uma carta aberta reuniu a assinatura de 460 elementos da redacção para exigir aos seus proprietários garantias de independência editorial. Porém, o impasse em torno da relação entre os jornalistas e os proprietários pode acentuar-se.

Uma fonte próxima do milionário checo, Daniel Kretinsky, que adquiriu parte do grupo Le Monde no ano passado, disse ao Financial Times que o empresário não concorda com as exigências da redacção que diz serem “economicamente inviáveis”.

Foi precisamente com a compra de 10% das acções do grupo proprietário do jornal por Kretinsky que o diferendo começou. Em Outubro, a redacção, que detém uma posição minoritária das acções do jornal, foi surpreendida com a venda a Kretinsky, um empresário que levanta muitas dúvidas aos jornalistas.

“O perfil de Kretinsky na área do carvão e da energia fazem dele um proprietário questionável para um jornal que cada vez mais levanta preocupações com o ambiente e as alterações climáticas”, disse ao FT o presidente da Sociedade de Redactores, Paul Benkimoun.

Até 2010, o jornal fundado em 1944 era detido por uma cooperativa de jornalistas com poder de veto na escolha dos directores, mas depois de ter estado perto da falência, o grupo foi adquirido por três investidores privados, alterando um paradigma quase único no panorama europeu. Apesar da entrada de capital privado, a redacção continuou a ter uma forte influência na gestão do diário – ainda hoje é necessário que 60% dos jornalistas aprovem um director.

“Desde que perdemos o controlo económico da nossa empresa, em 2010, nós, os jornalistas, não renunciámos nem à nossa cultura de independência, forjada por 75 anos de uma história agitada, nem à nossa capacidade de nos mobilizarmos para defender os nossos princípios e os nossos valores”, escrevem os jornalistas na carta aberta.

A aquisição de Kretinsky não foi comunicada corpo editorial, o que levou a redacção a exigir garantias de independência e, desde então, jornalistas e proprietários têm estado envolvidos em “intensas negociações”. Uma exigência é que seja dada à redacção a possibilidade de vetar a entrada de novos accionistas no grupo. Na carta é dado o prazo de 17 de Setembro para que seja alcançado um acordo.

Um dos três proprietários do Le Monde, o empresário das telecomunicações Xavier Niel, já se comprometeu a assinar um documento proposto pela redacção, mas tanto Kretinsky como o ex-banqueiro Matthieu Pigasse recusam dar garantias.

Os jornalistas deixam um aviso: “Qualquer modificação substancial do capital sem o aval dos assalariados irá manchar a relação construída desde há quase dez anos com os nossos accionistas, irá atirar uma sombra sobre o valor do jornalismo do Monde e irá degradar a confiança dos nossos leitores.”

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