Jornalistas de Le Monde cedem controlo a grupo de três empresários de esquerda

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O director do jornal, Eric Fottorino, na redacção Philippe Wojazer/ REUTERS

Sociedade dos redactores do jornal rejeitou consórcio liderado pela Prisa, pelo Nouvel Observateur e pela France Telecom, que era apoiado pelo Presidente Nicolas Sarkozy

O histórico diário francês Le Monde, que era detido pelos jornalistas há quase 60 anos, vai passar para as mãos de um consórcio composto por três empresários ligados à esquerda socialista. O negócio, apoiado por 90 por cento da Sociedade dos Redactores do Le Monde, que representa os jornalistas, ficou ontem decidido, apesar dos esforços do Presidente francês, Nicolas Sarkozy, para que os jornalistas escolhessem o consórcio rival, liderado pelo LeNouvel Observateur, a Prisa e a France Telecom.

O anúncio de que Le Monde estava à venda foi conhecido no início deste mês. O jornal há muito que acusava a descida das vendas em banca e os cortes nas receitas publicitárias e chegou a uma situação de insustentabilidade financeira. A crise do sector publicitário do ano passado obrigou o jornal a acelerar o processo de recapitalização.

No passado dia 3, o director, Eric Fottorino, escrevia no editorial que Le Monde andava à procura de um novo parceiro, que passasse a ter uma quota maioritária no jornal, que era detida pelos jornalistas desde 1951 (o jornal foi fundado em 1944).

A resposta veio em forma de um triunvirato composto pelo banqueiro de esquerda e fã de rock Matthieu Pigasse, pelo empresário de moda e ex-companheiro de Yves Saint-Laurent, Pierre Bergé (grande defensor da causa gay e da luta contra a sida), e ainda por Xavier Niel, o mais polémico dos três. Niel, dono de uma fortuna estimada em dois mil milhões de euros, começou a erguer o seu império aos 19 anos, lançando um serviço de contactos eróticos na Minitel, um serviço francês de comunicação electrónica à distância anterior à expansão da Internet. Depois, Niel estendeu o império aos peep shows e fez fortuna com as suas empresas de Internet e telecomunicações, a Free e a Iliad. É descrito como o homem que introduziu o triple play (serviço comum de telefone, Internet e televisão) em França.

Este consórcio oferece, para além disso, uma promessa vital: a possibilidade de os jornalistas manterem a sua independência editorial e o poder de veto sobre eventuais mudanças futuras, nomeadamente quanto à nomeação do director, alterações no capital e o uso das marcas do grupo do Le Monde.

Os accionistas históricos do jornal, incluindo os jornalistas, os leitores e a associação Hubert Beuve-Méry [o fundador do jornal] vão constituir um Pólo da Independência que garantirá a "defesa dos valores do jornal", refere Le Monde.

Paralelamente, o consórcio quer igualmente aproximar as redacções papel e online, como forma de rentabilizar o jornal. Com créditos firmados no mundo digital, se alguém tem a capacidade de cimentar a credibilidade (e o lucro) de Le Mondeonline, esse alguém é Xavier Niel, estima The Guardian.

O trio Pigasse-Bergé-Niel pretende investir até 100 milhões de euros no título em dificuldades, muito contra a vontade de Nicolas Sarkozy, que tentou travar o negócio. Nas últimas semanas, Sarkozy chegou mesmo a chamar o director do jornal ao Eliseu, a fim de o persuadir a aceitar a oferta do consórcio rival - composto pela France Telecom, a Prisa, o grupo que publica El País e pelo dono do Nouvel Observateur, Claude Perdriel. A France Telecom terá entrado no negócio a pedido expresso do Presidente, de acordo com o Financial Times.

A intervenção do Presidente suscitou um coro de críticas entre os seus adversários políticos, que o acusaram de se estar a "imiscuir" no negócios dos media.

A imprensa francesa avança ainda que Sarkozy considera que Niel, que apoiou recentemente a criação de dois sites de jornalismo de investigação, ideologicamente situados à esquerda - o Bakchich e o Mediapart -, não tem moralidade para pegar num título como Le Monde.

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