Corais do mar Vermelho estão com problemas de desova

O ritual de reprodução de três das espécies de corais mais abundantes no mar Vermelho está descoordenado e o fenómeno poderá estender-se ao resto do planeta. Aumento das temperaturas entre as causas apontadas.

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Espécie Acropora eurystoma durante a desova no golfo de Eilat Tom Shlesinger
Corais pedregosos
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Espécie Acanthastrea echinata durante a desova no golfo de Eilat Tom Shlesinger

O processo de reprodução de três espécies de corais existentes no golfo de Eilat, na ponta norte do mar Vermelho, tem estado a registar irregularidades. A desova de óvulos e espermatozóides está dessincronizada, segundo um estudo da Universidade de Telavive, em Israel. Os resultados da investigação, entre 2015 e 2018, ocupam a capa desta sexta-feira da revista Science com o título “Fora de sincronia”.

Os corais são animais constituídos por pólipos, que vivem em simbiose com as algas que dão cor ao seu esqueleto. Esta simbiose tem sido duramente afectada na Grande Barreira de Coral, na Austrália, devido ao aquecimento da água do mar, levando à expulsão das algas e, assim, ao branqueamento dos corais e à sua morte.

A reprodução dos corais pode ser assexuada ou sexuada – a forma mais comum. No segundo caso, os pólipos libertam milhões de gâmetas em simultâneo que, após serem largados sobrevivem apenas algumas horas. A sincronização do processo de libertação é, pois, essencial para assegurar o sucesso da fecundação. Os corais “sabem” o mês, o dia e a hora da época de acasalamento através da temperatura da água, do ciclo lunar e da escuridão. São guiados pelo ritmo circadiano e por proteínas sensíveis à luz. Se as larvas que resultam da fecundação sobreviverem, fixam-se numa superfície dura ou são “recrutadas” por colónias da mesma espécie.

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Espécie Acropora eurystoma durante a desova no golfo de Eilat Tom Shlesinger

Tom Shlesinger e Yossi Loya, os autores da investigação, estudaram detalhadamente a desova das cinco espécies mais abundantes no Mar Vermelho. Quando comparados os dados recolhidos com registos do início dos anos 1980 sobre a reprodução das comunidades de corais naquele local, percebeu-se que a sincronia do mecanismo reprodutivo das espécies Acropora eurystoma, Galaxea fascicularis e Platygyra lamellina havia entrado em colapso. “Estas espécies desovaram ao longo de todo o ano, de forma irregular, durante várias semanas e, nalgumas colónias, em diferentes noites”, pode ler-se no artigo científico.

Causas humanas

Os dois cientistas monitorizaram a desova das espécies de corais durante a época de reprodução entre Junho e Setembro de cada ano em que se realizou o estudo. Para perceber se o colapso na sincronia da desova resultava numa quebra da reprodução, os investigadores compararam o número de corais que morriam com a quantidade de indivíduos juvenis que aparecia no recife.

“Embora parecesse que o estado geral dos recifes de coral no golfo de Eilat fosse bom e apesar de todos os anos encontrarmos vários corais que recrutavam [novas gerações], para as espécies que estavam a sofrer do colapso na sincronia da desova havia uma clara carência de recrutamento”, alerta Tom Shlesinger, em comunicado da Universidade de Telavive.

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Tom Shlesinger DR

Na verdade, as espécies Acropora eurystoma e Galaxea fascicularis registaram zero novos juvenis. A Platygyra lamellina, por sua vez, registou apenas oito. Em relação às restantes espécies estudadas – a Dipsastraea favus e a Acanthastrea echinata –, ambas mantiveram a sincronia da desova e exibiram uma taxa elevada de recrutamento. Durante a desova, alguns corais libertaram a totalidade dos óvulos e espermatozóides, outros desovaram parcialmente e algumas colónias não desovaram de todo.

Yossi Loya, o coordenador da investigação, refere, citado no comunicado, que existem vários factores que podem estar a causar o colapso na sincronia da desova dos corais. “Na região onde decorreu o estudo, as temperaturas estão a aumentar rapidamente, a um ritmo de 0,31 graus Celsius por década, e consideramos que o colapso da sincronia da desova demonstrado aqui pode reflectir um efeito quase devastador decorrente do aquecimento dos oceanos.” Duas outras explicações possíveis podem ser o fluxo de esgotos que vai parar ao mar e o lixo marinho. Os despejos normalmente contêm poluentes hormonais, como esteróides, que afectam a reprodução dos corais.

Mais estudos

Independentemente da causa exacta, Tom Shlesinger destaca que as conclusões da investigação servem como “uma chamada de atenção atempada para começar a considerar estes desafios mais subtis” que interferem na sobrevivência dos corais. O cientista acrescenta que é “altamente provável” que o mesmo problema se coloque perante outras espécies em diferentes regiões.

Uma investigação nas Caraíbas e outra nas Filipinas, cujos resultados foram apresentados em 2012 e 2018, respectivamente, registaram padrões de reprodução irregulares em diferentes espécies de corais. Na primeira, os investigadores notaram inconsistências no processo reprodutivo comparativamente a dados dos anos 1980. Na situação das Filipinas, por sua vez, não havia um registo histórico para fazer a comparação e os cientistas concluíram que as irregularidades verificadas podiam ser causadas por características locais.

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Corais do golfo de Eilat durante o pôr do Sol Tom Shlesinger

Shlesinger e Loya esperam que outros investigadores em todo o mundo continuem a estudar este fenómeno e ajudem a descobrir a causa exacta do colapso na reprodução dos corais, pode ler-se no artigo científico. Caso contrário, espécies que aparentem existir em abundância podem, na realidade, estar à beira da extinção.

Texto editado por Teresa Firmino

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