Corais profundos da Grande Barreira também estão a morrer

Estudo liderado por cientista português mostra que 40% dos corais de recifes a 40 metros de profundidade de vários locais do Norte da Grande Barreira de Coral branquearam em 2016.

O branqueamento dos corais visto de perto Norbert Englebert

Já se sabia que um terço dos corais nos recifes rasos da Grande Barreira de Coral, na Austrália, morreu em 2016. E os corais nos recifes profundos? Nunca se tinha quantificado bem o fenómeno de branqueamento (que pode levar à morte dos corais) e a morte nesses recifes. Agora, um estudo publicado na última edição da revista científica Nature Communications – que tem como principal autor Pedro Frade, do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve – revela que 40% dos corais a 40 metros de profundidade (nos locais visitados pela equipa) branquearam e 6% deles morreram devido ao branqueamento de 2016.

Na costa Leste da Austrália, há um ecossistema com cerca de 3000 recifes e 900 ilhas, que se estende por mais de dois mil quilómetros: a Grande Barreira de Coral. Aqui vivem corais, animais coloniais que surgiram há cerca de 400 milhões de anos e que são formados por várias unidades – pólipos –, que segregam o esqueleto de carbonato de cálcio e, ao longo de milhares de anos, formam um recife.

“Observar pela primeira vez ao vivo essa contradição entre o incrivelmente pequeno e frágil pólipo de coral e o esplendor e grandiosidade do recife de coral foi fascinante”, recorda Pedro Frade quando viu um recife de coral pela primeira vez na ilha de Curaçao (Caraíbas) em 2001. À Austrália chegou em 2015 e voltou logo no ano seguinte, quando aconteceu um branqueamento em massa.

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O investigador Pedro Frade Claudia Schildknecht

O branqueamento ocorre quando a água aquece mais do que o suposto: por causa desse aquecimento, as algas que vivem em simbiose com os corais (e lhes dão cor) começam a produzir substâncias tóxicas e deixam de fazer fotossíntese. Os corais acabam por expulsar as algas e a cor esbranquiçada do seu esqueleto fica visível. Além de deixar os corais sem cor, isso deixa-os desnutridos e pode levá-los à morte, porque ficam sem acesso aos nutrientes dados pelas algas através da fotossíntese. Este fenómeno foi observado pela primeira vez nos anos 80 na Grande Barreira e ocorreu em massa a nível global em 1998, em 2010, em 2016 e 2017 (e localmente na Grande Barreira também em 2002).

Pedro Frade estava na Austrália quando aconteceu um dos branqueamentos mais devastadores (em 2016) e que vitimou cerca de 30% dos corais rasos. Houve uma grande onda de calor e as temperaturas superficiais da água atingiram valores recorde. As causas foram o aquecimento global e o El Niño, fenómeno de transporte de uma massa de água quente desde a Austrália até às costas da América do Sul, por altura do Natal.

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Cardume de peixes numa colónia de corais. Uma das hipóteses era de que os corais profundos poderiam servir de refúgio e recuperação dos recifes rasos Pedro R. Frade

Mas o investigador também quis perceber o que acontecia aos recifes mesofóticos (ou profundos, no sentido lato) que se situam entre os 30 e os 100 metros. “A diferença mais óbvia entre os recifes rasos e profundos é a quantidade de luz que penetra até aos profundos”, indica. Em geral, os recifes mesofóticos crescem mais lentamente, acumulam menos energia e são mais escuros. Além destes, há recifes ainda mais profundos.

Efeito limitado como refúgio

Por isso, lançou-se a questão: o branqueamento dos corais afecta os recifes profundos? Até porque havia a hipótese de que esses recifes estariam mais protegidos e poderiam ser um potencial refúgio para os recifes rasos contra o efeito das alterações climáticas e das anomalias térmicas. “Essa hipótese postula que zonas profundas do recife, mais protegidas do stress térmico, podem servir como reserva de diversidade genética e assim contribuir, no futuro, para a recuperação das partes mais rasas do recife, devastadas pelos efeitos do branqueamento do coral e outros efeitos de origem humana”, lê-se num resumo sobre o estudo.

Para responder a essas questões, a equipa de Pedro Frade estudou vários locais da parte Norte da Grande Barreira. Primeiro, monitorizou-se a temperatura de profundidades entre os dez e os 100 metros ao longo de três anos e meio. Depois, fez-se o levantamento da saúde das comunidades de corais entre os cinco e os 40 metros de profundidade em Maio de 2016, no pico do impacto do branqueamento em massa.

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Pedro Frade retira amostras de uma colónia de corais branqueada Pim Bongaerts

Verificou-se então que, apesar de haver algum alívio de temperaturas elevadas no recife profundo, os corais também eram afectados pelo branqueamento. Nos recifes mesofóticos, contabilizou-se que 40% dos corais branquearam e 6% morreram. Se contarmos só o número de corais muito branqueados ou mortos, foram quase um quarto dos corais a 40 metros de profundidade. Já no recife raso, observou-se que entre 60 a 69% dos corais branquearam e que cerca de 10% morreram. Estes valores sugerem que os recifes profundos podem ter um efeito limitado como fonte de recuperação dos recifes rasos.

Porquê? Porque a temperatura da água a 40 metros aqueceu mais do que o esperado e pode chegar a níveis semelhantes aos de profundidades mais baixas. E ainda porque as comunidades dos recifes mesofóticos são bastante diferentes das que formam os recifes rasos. Isto significa que, embora possa existir algum efeito de refúgio nos recifes profundos, estes não irão (provavelmente) servir para proteger a maioria das espécies dos recifes rasos.

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Colónia de corais severamente branqueada e a morrer começa a ficar coberta por turfa e algas filamentosas Pedro R. Frade

“Podemos descartar a hipótese de que poderemos dormir descansados porque o recife profundo vai salvar o recife raso”, frisa Pedro Frade. “Mas não podemos descartar a hipótese de que, talvez, uma ou outra espécie possam ter uma distribuição vertical muito alargada e possam momentaneamente em diferentes locais e recifes encontrar um refúgio específico.”

Pedro Frade conta que a maior diferença ecológica que notou na Austrália desde que chegou em 2015 foi mesmo na Grande Barreira. “O branqueamento de 2016 deixou uma cicatriz que não irá desaparecer tão rapidamente e vão ser precisos muitos anos até os recifes voltem a ter a aparência e funcionalidade que tinham”, conta. “Visitei recifes antes e depois [do branqueamento] e deparei-me com o cenário terrífico de ver um recife raso completamente morto.”

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Corais mortos pelo branqueamento que começam a ficar cobertos com uma camada espessa de algas filamentosas Pedro R. Frade

Como se pode reverter a situação? “Teria de ser uma resposta global, cujo objectivo seria controlar a subida da temperatura da água do mar, o que implica reduzir as quantidades de dióxido de carbono que produzimos e lançamos para a atmosfera”, responde o cientista. Adianta ainda que é possível dar uma resposta a nível local – como as áreas marinhas protegidas – ou que cada comunidade e indivíduo podem ter um papel para que não se perca este ecossistema.

Em próximos trabalhos, Pedro Frade revisitará os locais que estudou em 2016 e tentará entender se os recifes mesofóticos recuperam dos efeitos do branqueamento da mesma forma que os recifes rasos.

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