Futebol com buracos ou golfe sem taco? Talvez um pouco dos dois

Neste recinto, não se joga de equipamento tradicional, mas de pólo e chuteiras. A modalidade está a crescer e Portugal, com cinco campos disponíveis, tem acompanhado a tendência.

Relva, buraco e bola de futebol: a essência do footgolf
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Relva, buraco e bola de futebol: a essência do footgolf
Pitch e putt
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Gonzalo Fuentes/Reuters

Sol, relva bem verde, um campo de golfe a pedir um bom swing e… jogadores de meias até ao joelho, com uma bola de futebol debaixo do braço e preparados para andarem aos pontapés à bola. Bizarro? Um pouco. Chama-se futegolfe e é uma modalidade em franco crescimento em Portugal.

Chegados à sétima etapa do circuito nacional de futgolfe fomos dar com um hotel de luxo. A expectativa era encontrar um grupo de rapazes numa actividade lúdica rudimentar — e não muito mais do que isso —, mas a realidade é que se trata já de uma competição com um nível surpreendente de profissionalismo.

Aos grupos, como no golfe, com horas de saída rigorosamente definidas, como no golfe, com destino ao primeiro buraco, como no golfe, lá iam os “craques”, de bola de futebol debaixo do braço e de olhos postos em pontes, riachos, árvores, bunkers e zonas de relva alta, para shots longos, e tapetes verdes bem lisos, para os remates curtos ao ghole — goal [golo] + hole [buraco].

Não se joga de t-shirt nem roupa de futebol, mas sim de pólo. De pólo e de chuteiras. Mas neste caso sem pitons, que a relva dos golfistas não é para estragar. “Não é fácil convencer os hotéis e os campos de golfe a fazerem buracos de futgolfe. Como jogamos num campo de golfe, os golfistas, ao verem alguém jogar nos seus campos com uma bola de futebol, têm o pensamento de que vamos estragar. Mas depois de mostrarmos o que é e como usamos o campo, temos conseguido que adiram”, explica ao PÚBLICO Ricardo Esteves, ex-futebolista do Benfica e actual presidente da Federação Portuguesa de Footgolf.

Sim, já existe uma federação e já se organizam etapas que ultrapassam a barreira dos 100 participantes, envolvendo homens, mulheres, miúdos e miúdas. Todos na mesma prova.

Chegámos com a dúvida sobre se esta modalidade seria futebol com buracos ou golfe sem taco. Talvez seja um pouco dos dois, mas a cair mais para a segunda opção. É que o futegolfe, descontando o talento futebolístico pedido ao atleta, é, em tudo o resto, uma fotocópia do golfe: as modalidades são praticamente iguais nas regras, no palco onde se praticam e no espírito. “É um desporto de cavalheiros e de honestidade”, descreve Ricardo Esteves.

Importante confraternizar

João Capela, ex-árbitro de futebol, foi o patrono da sétima etapa do circuito nacional de futegolfe. Num desporto sem árbitros, cada um acaba por ser juiz de si próprio. Coisa estranha, quando está por ali um ex-árbitro FIFA.

“De início, acho que é mais estranho para eles, pois alguns, provavelmente, já tiveram alguma atitude menos própria para o árbitro João Capela, mas não para a pessoa João Capela. Quando lhes digo que compreendo [as atitudes impróprias], vejo que ficam mais à vontade e, depois, acabam por dizer: ‘Não tinha nada a ideia de que você fosse assim’. Acho que também é uma forma de, numa outra modalidade, humanizar a figura do árbitro de futebol”, explicou João Capela, ao PÚBLICO.

Entre buracos, há a pressão do horário de saída a cumprir, mas também há sede para matar. E não tem de ser, necessariamente, com água. Esta predisposição para a confraternização é condição sine qua non para ali estar. Isso e estar disponível para ajudar o adversário.

“Epá, essa bola era ao contrário. Era para bater com a parte de fora do pé, para fazer o ângulo na direcção do ghole”, ouvimos, de um jogador experiente para um menos conhecedor dos segredos de um desporto que, tal como é praticado hoje, foi inicialmente lançado na Holanda, em 2008.

Numa modalidade que é relativamente recente, há de tudo: os rookies, ainda “verdinhos”, e os veteranos, já experientes. “Ó miúdo, quando vais colocar a marca no local da bola não podes tocar-lhe. Em teoria, seria motivo para penalização. Tens de fazer assim, olha…”.

Para João Capela, o bom ambiente e a camaradagem são pontos-chave neste novo mundo desportivo. “Foram cerca de 3h30 e mais ou menos 6400 metros de competição, o que faz do futegolfe uma modalidade fantástica, pois tens a oportunidade de estar junto da natureza, de forma activa, e conviver com mais pessoas que competem de forma saudável, independentemente da idade ou experiência no futegolfe”.

Ainda que sem se comprometer, o ex-árbitro assume que estará disponível para ajudar a Federação de naquilo que for necessário. Compromisso mais a sério, no entanto, só mesmo com a relva e com a bola: “O meu desafio é ir participando sempre que possa, tentando melhorar o meu score pessoal, mas sem pressão”, acrescenta.

Profissionalismo na Argentina

De acordo com a Federação Portuguesa de Footgolf, em Portugal há cinco campos para praticar a modalidade: Campo Mosteiro (Sintra), DolceCampo Real (Torres Vedras), Penina Hotel & Golf Resort (Portimão), Orizonte Santo Estêvão (Benavente) e Castro Marim Golf & Country Club (Castro Marim). Lá fora, porém, o cenário é bem diferente.
“Estamos num patamar inferior. Não digo muito inferior, mas inferior. Lá fora, o futegolfe começou em 2009. A Argentina tem um circuito profissional e os jogadores são profissionais. Em Portugal, começámos em 2016. Nesse ano, havia 15 jogadores e, neste momento, temos etapas com 117 pessoas”, explica Ricardo Esteves.

O desenvolvimento da modalidade em Portugal é palpável, mas discreto. O talento, no entanto, não passa assim tão despercebido. “A qualidade dos jogadores portugueses tem sido bastante comprovada no estrangeiro. No ano passado, estivemos no Mundial de futegolfe, em Marraquexe, com 36 países, e os 16 melhores qualificavam-se para o Europeu. Sendo um país novo na modalidade, ninguém esperaria que Portugal estivesse nesse lote, mas ficámos em 11.º lugar”, esclareceu, apontando um craque: “Temos um jogador que tem uma qualidade fantástica, que é o Fábio Azenha”.

O que é preciso fazer para ser um Fábio Azenha? Não é propriamente uma pergunta de resposta fácil, mas uma coisa é certa: não basta ser bom no futebol. “O jogador de futebol tem a vantagem de saber bater bem na bola, com precisão. Mas não são esses [futebolistas e ex-futebolistas] que estão na frente do ranking nacional. O ex-jogador de futebol pode ter alguma vantagem, mas isso não chega”, detalha o dirigente.

Buracos, relva, hotéis de luxo, lagos, árvores, bunkers, pólos e chuteiras: uma combinação seguramente invulgar (pelo menos por enquanto) para quem vê, mas aparentemente divertida para quem joga. E, por cá, o apelo está a crescer.

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