Tristes dos que não encontram beleza suficiente na realidade

Guardar a lembrança de cada nova descoberta num conjunto de fotografias é óptimo. Eu não resisto. Mas há um tempo para pousar a câmara fotográfica. Para olhar e ver. Para absorver o que nos rodeia.

O artigo do El País fez-me sorrir, confesso. O título traduz-se para algo como Turismo de faz-de-conta: horas na fila para fazer uma fotografia falsa num templo em Bali. A abri-lo estavam duas fotografias do Pura Lempuyang. Numa via-se um casal nas chamadas Portas do Céu do templo, com o vulcão Agung (o mais alto da ilha da Indonésia) no horizonte, o céu azul pontuado por nuvens. O romantismo da imagem era exacerbado pelo reflexo perfeito deste cenário no que parece ser um espelho de água aos pés dos turistas. Na outra vê-se a jornalista búlgara Polina Marinova junto às ditas Portas do Céu, mas não há reflexo e sob os seus pés nem uma gota de água, só chão normal.

Se frequentam a Internet é provável que já tenham visto uma dessas fotografias aparentemente perfeitas. O único problema com elas, como esclarece o artigo do diário espanhol e um outro já publicado na Fugas, é que são falsas. Não há qualquer espelho de água no templo, mas apenas um truque fotográfico — um espelho ou outra superfície reflectora colocada por baixo da câmara do smartphone, no ângulo certo, cria uma realidade inexistente. Aparentemente, não faltam balineses a oferecerem-se para criar a ilusão a troco de algumas moedas. Bom para eles. Balineses felizes, instagrammers satisfeitos, tudo perfeito, não é?

Não exactamente. Porque, pelos vistos, a maior parte dos instagrammers ou influencers que partilharam as fotografias com reflexos perfeitos esqueceram-se de explicar que elas resultam de um truque e que quem for a Pura Lempuyang não vai encontrar um espelho de águas plácidas a enquadrar umas portas que se abrem para a paisagem. E a multidão de pessoas que os segue acreditou que aquela era a realidade que os aguardava naquele canto de Bali que, até então, não era muito concorrido — o que se entende, porque a ilha está cheia de templos lindíssimos.

Hoje, há turistas que pedem especificamente para irem até ali e há filas de três horas, nos meses mais concorridos, para guardar no telemóvel a fotografia de uma realidade inexistente. Polina Marinova chamou à sua publicação colocada no Twitter A prova de que os influencers do Instagram arruinaram tudo. Não é verdade. Talvez tenham arruinado as expectativas de quem não se dá ao trabalho de pesquisar algo sobre os locais que vai visitar ou de quem guia a sua vida pela experiência dos outros (já agora, há muitas outras fotografias com este efeito de reflexo que recorre exactamente ao mesmo truque, ficam avisados).

E, sobretudo, podem ter arruinado as expectativas de quem não procura nos sítios que visita mais do que uma fotografia perfeita. Bali tem sítios extraordinários, não precisa de um truque fotográfico para merecer uma viagem até lá. E quem diz Bali diz qualquer outro sítio na Terra.

Guardar a lembrança de cada nova descoberta num conjunto de fotografias é óptimo. Eu não resisto. Mas há um tempo para pousar a câmara fotográfica. Para olhar e ver. Para absorver o que nos rodeia, com tudo o que isso implica: as cores, os cheiros e os sons. Há poucas semanas voltei, em trabalho, a um desses locais bonitos do mundo onde já tinha estado de férias. Num dos dias do programa fiz exactamente a mesma visita que fizera há cinco anos e que implicava um cruzeiro de duas horas nos fiordes noruegueses.

Desta vez, quase não peguei na câmara. Instalei-me na parte dianteira do barco e limitei-me a olhar a paisagem à minha frente. Não fui capaz de ir para o interior mais quente e confortável do barco, porque era como se fosse perder parte da maravilha que era poder estar ali. Outra vez. Um espelho por baixo do telemóvel ter-me-ia dado o reflexo que as águas negras do fiorde não deixam criar naturalmente. Mas para que serviria isso, se tudo o que estava ali, sem truques, era já perfeito?

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