Resposta a Henrique Raposo: “Não somos egoístas, somos responsáveis”

Esta geração ainda luta por ter um emprego estável e um ordenado digno. Queremos ter filhos, mas também queremos que sejam crianças desejadas, trazidas ao mundo de propósito.

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Daria Nepriakhina/Unsplash

Nos últimos dias tem sido partilhado e glorificado nas redes sociais um texto de Henrique Raposo, publicado pela Renascença, que define “uma sociedade composta por casais que começam a ter filhos aos 40” como “uma sociedade em autodestruição”.

O texto prossegue culpando a geração Y que, segundo o autor, se caracteriza pelo egocentrismo e individualismo extremos, uma geração de filhos únicos mimados e egoístas que preferem a companhia dos animais à das pessoas e que se focam na carreira em vez de constituir família. O autor reconhece que não é fácil enfrentar a parentalidade nos dias de hoje, mas encara como obrigação da geração presente não só ter filhos e tê-los mais cedo, como ainda tê-los em maior quantidade.

Gostaria de lembrar ao autor dessa crónica, e àqueles que a aplaudiram, o mundo em que vive a minha geração.

Esta é a geração que foi convidada pelo seu próprio Governo a emigrar. Ou já se esqueceram? É a geração “mais bem preparada de sempre” porque precisa de fazer face à competitividade no mercado de trabalho, que nunca foi tão grande. Fomos lançados para o mercado de trabalho num país em crise, arruinado por políticas da geração anterior. Tivemos de nos sujeitar a estágios não remunerados e só agora começamos a conseguir empregos. Sobrevivemos balançando empreendedorismo e precariedade.

Esta é a geração que ainda não saiu da casa dos pais porque não consegue. Muitos jovens adultos continuam a partilhar casa como nos tempos de estudante, simplesmente porque não conseguem arrendar de outro modo. Cerca de 65% dos jovens recorre ao arrendamento e apenas 19,5% consegue pagar mais do que 600 euros de renda. Consideremos que há jovens que não ganham mais do que o salário mínimo... E que este continua a não garantir um escape à pobreza. Pedir um empréstimo ao banco para comprar casa é coisa do passado, pois os nossos trabalhos precários não oferecem garantias.

Se a minha geração não quer casar é porque somos os filhos dos divórcios das vossas gerações. Na verdade, apesar de os portugueses casarem cada vez mais tarde, também se divorciam menos. Não temos medo do compromisso, mas somos menos impulsivos.

A ideia que não queremos ter filhos também é errada. “Contrariando alguma ideia feita sobre o suposto egoísmo dos millennials, traduzido na eventual rejeição a ter filhos, as respostas registam uma vontade de paternidade/maternidade sempre acima dos 85% e são bastante homogéneas.” A maioria quer mais do que um filho e, em Portugal, a média é de dois filhos.

Em resumo, esta geração ainda luta por ter um emprego estável e um ordenado digno. Queremos ter filhos, mas também queremos que sejam crianças desejadas, trazidas ao mundo de propósito. Queremos ter condições mínimas para eles. Fomos educados no planeamento familiar e ainda bem. Não somos egoístas, somos responsáveis.

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