Qual é o teu pior defeito?

Eu sei qual é o meu pior defeito. Vivo com ele todos os dias e tenho de o refrear a toda a hora: arrogância. A altivez de quem se acha superior e, no fim, nem uma gota de sangue azul para amostra.

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Nathan Dumlao/Unsplash

Qual é o teu pior defeito ou qual é o seu pior defeito? Estamos num talk show e o convidado principal somos nós. Alegremente, respondemos: “O meu pior defeito é ser teimoso”. Eu sei, é um clássico. E a conversa continua e a mentira também. 

Talvez por não sabermos, de facto, qual o nosso pior defeito. O inconsciente prega-nos partidas e enterra bem lá no fundo o que mais ninguém, nem nós, quer saber, ver ou mostrar. 

A idade e a experiência, vulgo as asneiras e os erros cometidos e perpetrados ao longo da vida, vêm dizer-nos o contrário: não somos perfeitos, a superfície da esfera afinal não é lisa, é rugosa, áspera, cheia de crateras de impacto, cicatrizes, feridas abertas, histórias e recordações, como a vida. E são as imperfeições que nos tornam únicos. São as imperfeições, os defeitos, que nos tornam inesquecíveis aos olhos dos outros. 

Eu sei qual é o meu pior defeito. Vivo com ele todos os dias e tenho de o refrear a toda a hora: arrogância. A altivez de quem se acha superior e, no fim, nem uma gota de sangue azul para amostra, tão mortal como os mortais, mas, ao mesmo tempo, achando-me infinitamente inteligente e, por tal, sem justificações a dar a quem quer que seja. 

Acho que sei tudo, tenho uma resposta para tudo, estou convencido que sei tudo, não, sei mesmo tudo. Do meu púlpito observo o mundo a girar e a cometer os mesmos erros de sempre. E do meu púlpito grito ao mundo para ter cuidado, “Não é por ali, vai pelo outro lado!” Mas o mundo não ouve, na irreverência da juventude e/ou da ignorância também acha que sabe tudo e com toda a força do mundo, passo a expressão, marra com a cabeça contra a parede.

Uma, duas, três mil vezes já vi eu o mundo a marrar com a cabeça e não há maneira de aprender, pelo que já me resignei à minha condição de observador, como se nunca tivesse cometido um erro na vida. O mundo há-de aprender um dia, a mim é que já me falta a paciência. Estou a ficar velho e cansado de ver o mesmo filme vezes sem conta e ainda só tenho 40 anos. Mais 40 anos disto? Não sei se aguento.

Resignado, empino o nariz enquanto os anos não passam, nunca tenho dúvidas e raramente me engano e não devo nada a ninguém. 

E por não dever nada a ninguém deixei caducar o bilhete de identidade e só me apercebi 24 horas antes do aeroporto e umas férias de sonho. Achei-me maior do que um país, não preciso de Portugal para nada e, afinal, preciso como de pão para a boca, mas já é tarde demais. Perdi as férias, a viagem, o dinheiro, o calor do sol, não esquecendo o murro no casamento e a estupidez deste homem, não, a arrogância deste homem que se acha livre de documentos e identidade, sou um cidadão do mundo, quero lá saber de Portugal! Ai queres lá saber de Portugal? Então toma!

Inevitavelmente, vou aprendendo com a idade, entre pontapés e cabeçadas, como muitas vezes me engano e tantas outras tenho dúvidas. Sou um homem e não uma máquina, mortal entre os mortais também eu à espera da minha hora. Dono da verdade absoluta? Não, também tenho os meus telhados de vidro, não quero perder o emprego, o casamento, a família, as amizades e há um mundo inteiro à minha volta mais importante do que eu. Parece incrível, não é? Mas se quiser morrer sozinho, estou no caminho certo e eu não quero morrer sozinho. 

Por isso vou aprendendo a ouvir, vou aprendendo a ter paciência, mais calma e serenidade. Afinal, há um universo de ideias por descobrir, modos de vida e pensamento até hoje inimagináveis, outras terras e lugares, invenções e revoluções, tanto por desbravar, a aventura da vida, este livro aberto por escrever e eu já só tenho 40 anos pela frente. Se tiver sorte. 

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