O S. Pedro da Póvoa deixa qualquer um de queixo caído

Na Póvoa de Varzim, o S. Pedro é celebrado em cada bairro como se fosse a única festa do mundo. Mas não é. Mesmo ao lado, no bairro vizinho, há outra festa de arromba.

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Nelson Garrido

Há uma festa de santos populares que mistura num mesmo lugar: hooligans, tradição, marchas populares, petardos, S. Pedro, e uma espécie de desfile dos anjos da Victoria's Secret. O que é suficiente para deixar um vimaranense, adoptado pela Póvoa, de queixo caído. 

Na Póvoa de Varzim, o S. Pedro é celebrado em cada bairro como se fosse a única festa do mundo. Mas não é. Mesmo ao lado, no bairro vizinho, há outra festa de arromba. Há outro palco animado. Há outra rusga. As rusgas são o grupo de folclore poveiro com especialização em marcha popular, ourivesaria de aventais e cabelos impecáveis. Há outro altar de S. Pedro de tamanho XL. Os poveiros chamam-lhe tronos. Em cada bairro poveiro há uma rua engalanada com longos e vistosos túneis de luz com as cores que, alegadamente, correm no sangue das suas gentes. O verde e branco do Sul, o amarelo e azul do Norte, o vermelho e branco da Matriz, o vermelho e verde de Regufe, o azul celeste e branco de Belém e o amarelo e vermelho da Mariadeira. 

Na noite de S. Pedro há a corriqueira sardinha, há as normais ruas cheias, há a “saltável” fogueira, mas também há a extraordinária epopeia das rusgas. Cada uma das seis visita os bairros “rivais”. Dos 8 aos quase 80, há gente tão corajosa como inconsciente. Fazem muitos quilómetros. Uns para — a dançar — se mostrarem aos vizinhos e outros só para — a apoiar — mostrarem a força do seu bairro. 

Em cada rusga, a música simples de marcha popular é o pano de fundo para a opulência dos aventais cravejados de brilhantes, que se junta à transparência elegante das camisas das poveirinhas, mais conhecidas por tricanas. Os rapazes que as acompanham parecem reconhecer a derrota no duelo de elegância e com alegre resignação, calça preta e camisa branca, levam sozinhos os arquinhos luminosos da marcha. Tudo isto resulta num espectáculo tradicional que é o casamento feliz entre um tipo de folclore português e o desfile dos anjos da Victoria's Secret. 

No estádio do Varzim, acontece a maior das surpresas. Aqui, nada é normal. O ambiente no estádio é arrepiante, faz inveja a muitos dérbis futebolísticos e faz sonhar os adeptos mais optimistas do Varzim Sport Clube. Talvez um dia o Varzim possa contar com um “inferno” destes. Ali o ambiente é trepidante mas no palco, montado no relvado, “só” está a acontecer folclore.

À classe das tricanas junta-se o hooliganismo saudável das gentes poveiras, que enchem por completo as bancadas. Quando o bairrismo se expressa com tarjas, petardos, bombas de fumo, serpentinas, confetis e tochas pirotécnicas eu chamo-lhe hooliganismo saudável. Até os insultos obedecem a uma espécie de tradição. Pais e filhos, avós e netos gritam a uma só voz os insultos mais “tradicionais” em direcção à bancada rival. Durante os 20 minutos que dura a actuação de cada bairro, os poveiros são, uns para os outros, os piores vizinhos que se pode ter. Na semana seguinte voltam a ser os melhores amigos — acho eu. 

Existe o bairro que é a Póvoa do Mar, o bairro que é a Póvoa da Praia e outro bairro que é a Póvoa das Artes. Nos três bairros mais pequenos é a alma que se agiganta. Em todos eles há muita Póvoa, há S. Pedro, há transparências e há bairrismo exacerbado durante um mês. Afinal de contas, é muito mais o berço que os une do que as cores que os separam. 

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