A suspensão de apoios ao investimento em olivais no Alqueva

Queremos, para Alqueva, uma paisagem de fome e miséria, para encher os olhos de quem o atravessa?

Gostaria de deixar claro que sei que o ministro da Agricultura não partilha o conjunto de argumentos falaciosos que o PEV, o PCP, o PAN e o BE têm utilizado para tentar impedir o desenvolvimento da fileira do olival e do azeite. Mas gostaria igualmente de deixar claro que acho que a decisão do ministro tem apenas um efeito: reforçar, involuntariamente, esses mesmos argumentos.

Sobre a decisão do ministro

O ministro da Agricultura anunciou, no passado dia 12 de junho, a decisão de “no atual quadro comunitário de apoio, não autorizar, no perímetro de Alqueva, mais apoios ao investimento para a instalação de olivais (intensivos e superintensivos) e de agroindústrias associadas ao olival, porque temos capacidade de laboração suficiente”.

Realce-se, porque é significativo, que esta decisão foi anunciada na sequência de um debate parlamentar marcado de urgência pelo Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV), com o tema “travar as culturas intensivas e superintensivas”. Mais, foi anunciada apesar de o senhor ministro ter referido o enorme grau de desinformação que tem intoxicado a opinião pública sobre os reais efeitos destas culturas sobre os recursos naturais (solo, água, ar...) e sobre as populações. E por isso apresentou argumentos diferentes, que à frente retomarei.

Não é o mesmo anunciar esta decisão no âmbito de um debate convocado por um dos principais grupos (que não o único) poluidores da opinião pública nesta matéria, ou anunciá-la num outro qualquer momento. Ao fazê-lo no contexto em que o fez, o senhor ministro está a contribuir (mesmo que involuntariamente) para dar força à campanha de desinformação sobre “agricultura e ambiente” que tem vindo a ganhar força nos meios de comunicação e nas redes sociais.

Sobre as consequências práticas da decisão

Fechou, no passado dia 7 de Junho (cinco dias antes do anúncio do senhor ministro), um concurso do PDR2020, de âmbito nacional, destinado exclusivamente à Olivicultura, com uma dotação orçamental de nove milhões de euros. Não se estranhará que a maior parte dos projetos candidatados tenham como base regional a zona de Alqueva.

Mais: tudo indicava já que, até ao final do atual PDR, não iriam abrir mais concursos para olival. Sabia-se também que as verbas destinadas à transformação de produtos agrícolas (e que poderiam ser utilizadas na instalação de lagares) estão praticamente esgotadas. Ou seja, este anúncio vem suspender uma coisa que já estava suspensa, não tendo qualquer consequência prática na área de olival que venha a ser instalada em Alqueva nos próximos anos com recurso a apoios públicos. E o PEV, o PAN, o BE, o PCP e o próprio PS sabem disso. Trata-se pois, em princípio, de uma suspensão para “geringonça” ver, sem os efeitos diretos que dela se esperariam. A não ser que o senhor ministro dê indicação à Autoridade de Gestão do PDR 2020 para não proceder à análise dos projetos que foram candidatados no âmbito do concurso acima referido, frustrando as legítimas expetativas dos investidores ao concorrerem a um concurso, repito, exclusivo para olival!

Não terá efeitos diretos, mas tem seguramente efeitos colaterais muitíssimo nefastos. Estamos a falar de uma fileira que tem demonstrado uma dinâmica de crescimento extraordinária, com impactos notáveis na economia e na sociedade, que se vê agora apontada como “mais uma fileira maldita” (qualquer dia temos mesmo um índex). Sim, é assim que a opinião pública entenderá esta suspensão, por muito que o ministro invoque outros argumentos (que invoca) para a sua decisão.

Sobre os argumentos do ministro

O argumento que o ministro invoca para a suspensão relaciona-se com o facto de estes olivais (intensivos e superintensivos) ocuparem já uma área possivelmente excessiva em Alqueva (cerca 52.000 ha em 2018), em manchas contínuas de grande dimensão. Por essa razão, determinou que fosse elaborado um estudo que avalie se isto é ou não um problema. Tudo certo, se tem essa dúvida. Mas porquê o anúncio da suspensão dos apoios, que já estavam suspensos por natureza? Não poderia ter determinado o estudo, não lançando (mesmo que involuntariamente) um anátema sobre os olivicultores de Alqueva? Poder podia, mas para a “geringonça” não era certamente a mesma coisa.

Esta decisão fica, assim, colada a um conjunto de argumentos infundados e alarmistas (dos quais o ministro discorda), baseados em tudo menos no conhecimento e no bom senso.

Sobre os argumentos dos outros partidos da “geringonça”

Tentei ler, em documentos e intervenções diversas, aquilo que o PEV, o PCP, o PAN e o BE argumentam nesta matéria. No meio de ignorância e demagogia que nos colocariam a todos na idade das trevas, aqui ficam os mais relevantes.

Que o olival moderno instalado em Alqueva está a “dar cabo” do olival tradicional. Mas então queríamos o quê? Que o Estado fizesse um investimento de cerca de 15.000 €/ha em modernas infraestruturas de rega... para regar olivais tradicionais?

Que se está a perder a paisagem típica do Alentejo. Atrás de uma paisagem, mais típica ou menos típica, estão pessoas. Atrás de algumas dessas paisagens... deixam de existir pessoas. Queremos, para Alqueva (que cobre 120 mil ha, a caminho de 170 mil, numa região com quase dois milhões de ha de superfície agrícola onde, repito, o Estado investiu mais de 15.000 €/ha), uma paisagem de fome e miséria, para encher os olhos de quem o atravessa?

Que se estão a destruir os solos (a expressão mais utilizada é “dar cabo dos solos”), como se verá quando se arrancarem os olivais. Temos em Portugal, felizmente, bons especialistas de solos. Os solos estão lá, podem ser (e estão a ser) estudados e monitorizados: na sua estrutura ao longo do perfil, na sua composição química, nas suas propriedades físicas, na sua atividade biológica. E, ao contrário do que se diz, já existem parcelas das quais foram arrancados “olivais malditos”, disponíveis para serem estudadas. Existem más práticas nesta matéria? Punam-se.

Que se utilizam massivamente produtos químicos que tudo e todos envenenam. Os olivicultores de Alqueva cumprem com os mais elevados padrões de exigência em matéria de fertilização e de controlo de pragas e doenças. Uma parte muito significativa da área de olival em Alqueva segue o “modo de produção integrada”, cumprindo (assim o atesta a certificação deste modo de produção) todos os requisitos para tal, numa Europa que é a região do mundo mais restritiva quanto a produtos autorizados para agricultura. Existem abusos? Fiscalize-se e penalize-se quem os comete.

Que dão cabo da biodiversidade. Pois. Aparentemente os pássaros não acham o mesmo. A pergunta que deve ser feita é se todo o metro quadrado de terra deve contribuir da mesma forma e com a mesma intensidade para a conservação de valores naturais, quaisquer que eles sejam. É claro que não. Devem existir restrições nesta matéria? Devem... e existem.

Que são uma moda, e que as modas em agricultura acabam sempre mal. Acreditam que alguém investe uns milhares de euros por hectare (o apoio público raramente ultrapassa os 35%) por uma questão de moda? As razões que levam os agricultores de Alqueva a investir em olival resumem-se numa palavra: rentabilidade, num mercado em crescimento. E, para tal, cumprem a legislação em vigor.

Que utilizam “mão-de-obra escrava”. Este argumento é antigo. É verdade que existem, todos os anos, noticias sobre a existência de mão-de-obra em situação irregular na Agricultura (no Alentejo e não só, para o olival e não só), normalmente da responsabilidade de empresas de mão-de-obra temporária menos escrupulosas. Mas a resolução desse problema passa por acabar com o emprego que é gerado, neste caso, no olival?

Sobre um verdadeiro problema que tarda a ser enunciado

O verdadeiro problema com epicentro em Alqueva que poderia estar por detrás da decisão do ministro (mas não está, porque se estivesse a decisão não teria sido a que foi) é outro. E prende-se com a elevada percentagem da superfície beneficiada por Alqueva que está ocupada por culturas permanentes, independentemente do grau de intensidade que caraterize as suas tecnologias. E porquê? Por uma mera questão de capacidade de gestão da água em anos em que seja necessário impor restrições ao seu uso. Mas quanto a isto, que se saiba, nada consta.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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