À segunda candidatura, ninguém arrisca pôr Trump nas páginas de espectáculos

Presidente norte-americano confirma recandidatura à Casa Branca num comício na Florida, depois de um ano cheio de comícios um pouco por todo o país. Quatro anos depois da primeira candidatura, são poucos os que arriscam declarar a sua morte política em 2020.

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É a sétima vez que Trump discursa na Florida desde que é Presidente Carlos Barria/Reuters

No dia 16 de Junho de 2015, quando o magnata do imobiliário e estrela da televisão Donald Trump desceu as escadas rolantes douradas da sua Trump Tower para anunciar a candidatura à presidência dos Estados Unidos da América, poucos comentadores acreditaram que aquele momento era para levar a sério. Nesse mesmo Verão, o site Huffington Post decidiu que as notícias sobre o candidato Trump seriam publicadas na secção de espectáculos – afinal, segundo os directores do site, era ali que fazia sentido escrever sobre “espectáculos de feira”.

Quatro anos depois, quase no mesmo dia daquele anúncio de candidatura, que lançou a maior surpresa em décadas nas eleições para a Casa Branca, Donald Trump regressa esta terça-feira a um sítio onde nunca deixou de ter pelo menos um pé – um comício com milhares de apoiantes, que neste caso serve para anunciar a sua recandidatura.

“O Presidente Trump vai dar início à sua campanha para as eleições de 2020 com um comício na Florida. Mas, na verdade, ele é candidato a um segundo mandato desde que chegou ao cargo”, diz a repórter norte-americana Jessica Taylor, atenta aos acontecimentos na Casa Branca e no Congresso, num texto publicado esta terça-feira no site da NPR (National Public Radio).

E se dependesse de Trump, os EUA teriam o seu primeiro Presidente por mais de dois mandatos desde que esse limite foi estabelecido na Constituição, em 1951 – antes disso, só Franklin Roosevelt ultrapassara os tradicionais dois mandatos, tendo sido eleito por quatro vezes no período excepcional da Segunda Guerra Mundial.

“A boa notícia é que ao fim de seis anos, depois de a América voltar a ser grande outra vez, e depois de eu sair da linda Casa Branca (acham que o povo exigiria que eu ficasse mais tempo para manter a grandeza da América?), esses dois jornais horríveis vão fechar para sempre!”, escreveu o Presidente no domingo, no Twitter, numa mensagem em que fantasia sobre o fim dos jornais New York Times e Washington Post.

Presidente-candidato desde 2017

O anúncio da recandidatura de Donald Trump não era sequer um segredo mal guardado; a entrega dos documentos oficiais à Comissão Federal de Eleições, um dos passos essenciais do processo, aconteceu logo no dia em que tomou posse, a 20 de Janeiro de 2017.

Desde então, Trump tem batido os seus antecessores em número de viagens pelo país enquanto Presidente-candidato, numa campanha silenciosa mas mais bem organizada do que aquela que, ainda assim, lhe valeu a vitória em 2016. Sete dessas viagens, nos últimos dois anos, incluindo a desta terça-feira, levaram-no à Florida, um dos estados mais decisivos nas noites eleitorais norte-americanas com os seus 29 votos para o Colégio Eleitoral.

Com o Partido Democrata a meses de se reunir à volta de um único rosto para enfrentar Donald Trump em Novembro de 2020, e às voltas com uma dura batalha para as primárias entre 24 candidatos, o Presidente norte-americano vai aproveitando para marcar o seu território no lado do Partido Republicano. O seu único adversário declarado, o antigo governador William Weld, do Massachusetts, é um anti-Trump de primeira hora com poucas hipóteses de ser mais do que uma atracção curiosa nas eleições primárias.

Para além do dinheiro e do poder que vêm com o facto de se ser o Presidente em exercício, este Presidente em particular tem uma base eleitoral sólida, que não cresce mas que também não diminui – e que foi suficiente para o instalar na Casa Branca nas eleições de 2016.

“Isto não é nada mais do que um debate sobre a persona [de Trump]”, disse ao New York Times o especialista em comunicação Brendan Buck, que tem aconselhado outras figuras do Partido Republicano. “Até hoje, toda a gente continua a jogar no campo dele. É ele quem define os temas sobre os quais nós falamos, é ele quem define tudo.”

E é essa capacidade de Trump para se manter no topo das notícias, todos os dias dos últimos dois anos – somada à fé inabalável dos seus apoiantes – que mantém o Partido Democrata cauteloso em relação a 2020.

“Ele fornece uma dose excepcionalmente elevada de assuntos aos seus adversários e aos media em termos de distracção dos verdadeiros temas”, disse ao Washington Post Guy Cecil, presidente da organização Priorities USA, de apoio ao Partido Democrata. “Acabamos todos a falar sobre sondagens e sobre um tweet qualquer que ele publicou.”

Sem comparação

Para além de ser o Presidente em exercício e de manter a sua base de apoio tão entusiasmada como nos meses que antecederam a vitória nas eleições de 2016, Donald Trump tem uma particularidade que leva os analistas a terem cuidado nas suas previsões para 2020: pela primeira vez, a fraca taxa de aprovação geral de um Presidente pode dizer pouco sobre a força da minoria que está com ele até ao fim.

“Uma das coisas que dificulta muito uma avaliação do capital político de Trump é o facto de não haver muitos termos de comparação no passado recente”, diz o jornalista Steve Kornacki, na NBC News. “Todos os antigos Presidentes na era moderna, mesmo os que não foram reeleitos para um segundo mandato, tiveram estados de graça. No início dos seus mandatos, tiveram períodos com 60%, 70% ou mais de popularidade. Barack Obama, Bill Clinton, George W. Bush, todos tiveram um estado de graça. Mas isso nunca aconteceu com Trump.”

Desde que há sondagens nos EUA, Donald Trump é o primeiro Presidente do país a ficar abaixo dos 50% de popularidade nos estudos da Gallup durante todos os dias do seu primeiro mandato – isto apesar da boa saúde da economia norte-americana e de taxas de desemprego historicamente baixas. E isso, diz Steve Kornacki, devia ter uma conclusão simples: a de que Donald Trump não vai ser reeleito em 2020.

Animar as bases

Mas o resultado das eleições de 2016 veio pôr água na fervura das certezas absolutas, e à entrada para a campanha de 2020 são agora poucos os comentadores que apostam numa vitória fácil do candidato do Partido Democrata, seja ele quem for.

É o resultado daquilo a que se chama a polarização do eleitorado norte-americano: se é verdade que a esmagadora maioria dos eleitores do Partido Democrata detesta Donald Trump, não é menos verdade que a esmagadora maioria dos eleitores do Partido Republicano mantém-se ao lado do seu Presidente.

“A taxa de aprovação de Trump não tem sido boa, não é algo que possa fazer dele um vencedor antecipado. Mas o facto de ele ter ganho em 2016 diz-nos que também não pode ser visto como um candidato derrotado à partida”, conclui o jornalista da NBC.

Esta semana, o Presidente norte-americano voltou a falar para a sua base de apoio, e a cavar ainda mais o fosso entre os dois lados do eleitorado, quando anunciou que a agência de imigração norte-americana vai começar, na próxima semana, a expulsar “milhões de imigrantes ilegais” a viverem nos EUA. “Eles vão ser expulsos tão depressa como entraram”, anunciou Trump no Twitter.

Apesar das muitas dúvidas sobre a eficácia dessa operação, seja porque a agência tem poucos funcionários para identificar, localizar, deter e expulsar milhões de pessoas, seja porque as imagens de pais separados à força dos seus filhos podem indignar grande parte do país, Donald Trump mantém a sua base de apoio entusiasmada. E, no final, é o entusiasmo, traduzido na ida às secções de voto, que decide muitas eleições nos EUA – uma lição que o Partido Democrata espera ter sido bem aprendida pelos seus eleitores em 2016.

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