Fake news, ou uma nova esperança para o jornalismo

Não tenhamos dúvidas: só um jornalismo de qualidade, com boa e saudável concorrência editorial, garante um Estado de direito para a nossa e para as futuras gerações.

Nunca uma ameaça foi tão oportuna. Ou melhor, aquilo que hoje é visto como um atentado ao jornalismo pode, na verdade, ser a sua salvação. As fake news chegaram para ficar. Galgam em audiências pouco ou mal informadas. Transformam suposições, desejos ou apenas coincidências em “quase factos” que se transmitem como doenças. E entre a curiosidade de quem apenas achou piada e a vontade de quem se alimenta de desgraças e cataclismos, uma boa fake news nem precisa, na verdade, de ser assim tão boa. Necessita apenas de não ser verdade.

Já todos conhecemos o meio digital em que se movem e os feitos de que são capazes. Olhemos para os exemplos recentes de EUA e Brasil e percebemos rapidamente que o fenómeno é capaz de não ser assim tão inofensivo e que a Europa poderá não estar assim tão a salvo como à partida se poderia supor. Muitos dos avanços da extrema direita no continente europeu devem-se a estratégias de desinformação e de utilização de fake news para construir e alimentar um eleitorado alinhado e seguidor. O resto é política.

No meio de tudo isto poderemos questionar-nos sobre o papel dos media. Em Portugal, um rápido olhar sobre os últimos 20 anos pode ajudar a explicar parte do problema. Primeiro, e no arranque deste século, a concentração em grandes grupos, o que levou ao primeiro esvaziamento de redações e a uma política de maior alinhamento ideológico. Depois, e ainda antes da crise de 2008, a oferta sem critério de conteúdos na Internet, suportada, na época, por um modelo de publicidade que ia garantindo os custos de estrutura. Por último, e já com a crise a cortar drasticamente as receitas comerciais dos media, a tentativa de desenhar modelos de conteúdos digitais pagos e de muitos eventos (conferências, prémios, seminários...) que passaram a manter o equilíbrio das contas.

Hoje, e ainda sem modelo de sucesso capaz de rentabilizar as plataformas e as estratégias online, os media vão vivendo à custa de tiragens mais curtas, de equipas mais curtas, e de um futuro, também ele, menos exuberante. Primeiro deixamos de nos surpreender com o fecho de delegações. Depois admiramo-nos menos com o fecho de suplementos. Hoje, ficamos cada vez menos surpreendidos com o fecho de títulos.

E num momento em que os mais jovens se afastam dos media e que os mais velhos descobrem na Net outras fontes de (des)informação, eis que se olha para os media como nunca deveríamos ter deixado de olhar. O garante de uma sociedade informada, justa, eticamente sustentável. Não tenhamos dúvidas: só um jornalismo de qualidade, com boa e saudável concorrência editorial, garante um Estado de direito para a nossa e para as futuras gerações.

Porque esse é o papel insubstituível dos media: o de garantir que a informação que lemos ou ouvimos passou pela análise de equipas editoriais, foi validada, está enquadrada e corresponde, pelo menos, a uma parte da verdade. Sem isso, ficamos totalmente expostos a campanhas de desinformação nas redes sociais, a vídeos e posts falsos que potenciam “verdades” construídas e a estratégias de manipulação política que levarão à rápida deterioração da democracia e da liberdade.

Mas então, como poderão os media recuperar agora esse capital de confiança que foram perdendo ao longo das últimas duas décadas? É simples. Apostando em jornalismo de qualidade (que não é necessariamente sinónimo de liderança das audiências), em bons trabalhos de investigação, em boas fontes e em redações com capacidade de resposta (técnica e humana), que permitam inverter o ciclo de perda de influência dos media e recuperar anunciantes, leitores, ouvintes e telespectadores.

Pode parecer um caminho longo, mas esse é o verdadeiro ADN do jornalismo. E se hoje nos afastamos dele, é porque talvez... ele se tenha afastado de si mesmo.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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