Portugaba: a lição de Louboutin sobre como valorizar os artesãos portugueses

O criador francês lançou a Portugaba, uma mala inspirada no trabalho dos artesãos portugueses. Na apresentação em Portugal, na passada quinta-feira, em Lisboa, até a artista de burlesco Dita von Teese esteve presente.

Foto

No interior, pequenos teares instalados com artesãos a trabalhar e do lado de fora toda a montra transformada numa representação da típica fachada lisboeta, com painéis de azulejos — em plena Avenida da Liberdade, em Lisboa –, na Fashion Clinic, uma loja de roupa de marcas de luxo, maioritariamente estrangeiras, sentia-se o orgulho na mestria artesanal portuguesa, no final da tarde de quinta-feira. O motivo: a apresentação em Portugal da Portugaba, a mala lançada recentemente por Christian Louboutin que é em si uma amálgama de técnicas e inspirações portuguesas.

Há mais de dez anos que Christian Louboutin divide o tempo entre Paris e Portugal, onde tem uma casa em Melides, na costa alentejana. No passado, criou uns sapatos com um pendente inspirado nos designs mais clássicos de filigrana, mas esta é a primeira vez que dá maior destaque às técnicas portuguesas. Para conceber a mala, o criador trabalhou em conjunto com uma série de artesãos portugueses, especializados em técnicas têxteis, como os puxados, ripados e picados. Para o evento de lançamento da mala — que está disponível em duas versões, com tons mais claros e mais escuros — convidou-os para estarem presentes na loja e demonstrar a forma como cada bocado da peça é trabalhado.

Foto
D.R.

Ao lado das estantes que exibem o produto final, sentada ao tear, Marta Cruz demonstra a técnica de puxados que completam o painel da frente e do lado direito da mala (onde está o logótipo da marca). Trata-se de um efeito decorativo em que a trama é puxada por ganchos formando pequenas argolas, que conferem volume ao tecido. É mais típica do norte de Portugal e usada tradicionalmente para enfeitar têxteis de lar, como colchas e cortinas, explica. A técnica assemelha-se a uma outra também usada na mala — no painel do lado esquerdo —, a dos ripados. “Tecnicamente é basicamente a mesma”, explica ao PÚBLICO a artesã com atelier em Amarante. Sendo que nos ripados tipicamente são feitos desenhos mais simétricos, não tão livres quanto os dos puxados, acrescenta.

Em frente, noutro tear, Guida Fonseca mostra a técnica que adorna o lado oposto da mala, um “derivado de uma das estruturas fundamentais da tecelagem — a sarja”. “Não se pode dizer que seja especificamente português. É universal”, refere. Por cá, é utilizado em várias zonas do país, incluindo no norte. Para a especialista os exemplos “mais ricos” encontram-se nos Açores. Recentemente viajou até às ilhas para dar formação nesta técnica. Apesar de se estar a perder, a artesã observa que muitas pessoas novas estão a querer aprender. Já Marta Cruz refuta, dizendo que actualmente é pouca a produção de puxados, lamentando haver poucos jovens interessados. Aos 38 anos, afirma que é uma das mais novas a exercer esta prática.

No lado contrário da loja, sentadas em bancos, três mulheres trabalham com tecidos e tesouras. Maria Suzana de Castro e as filhas, Sandra e Leopoldina, são artesãs especializadas no picado, uma técnica tradicionalmente aplicadas às capas de honra de Miranda do Douro — que serviam de “agasalho do rico agricultor”, explica Sandra. Com o picado, as artesãs, desenham com a linha. É um trabalho de mãos, feito sem a ajuda de um esboço para guiar. Depois recortam as partes que estão a mais, deixando uma margem a partir da linha. Na Portugaba, é sobreposta aos painéis principais, passando também pela parte de baixo.

Fotogaleria

A família tem uma loja em Sendim, onde vende peças com uma abordagem moderna da técnica. Têm uma diversidade de objectos — casacos, carteiras e almofadas, por exemplo — e, em vez dos tons de terra que eram predominantemente usados, as peças destacam-se pela cor.

De Portugal para Portugal

Sublinhado a importância dos artesãos, Louboutin explica que a mala surgiu da vontade de celebrar estas pessoas. Afirma também que no futuro “provavelmente” quererá desenvolver outro tipo peças a partir de técnicas portuguesas. 

Como é que Portugal pode valorizar da mesma forma a riqueza cultural destas técnicas artesanais? “Acho que é preciso ter pessoas a supervisionar. Um lugar como este, a Fashion Clinic, poderia ajudar a qualidade e conhecimento da mestria artesanal neste país”, começa por responder o criador ao PÚBLICO. “As pessoas terem atenção ao que está a acontecer no seu próprio país. Deve vir de Portugal para Portugal”, continua. Para Louboutin as condições estão todas no país. “Provavelmente pode ser só preciso uma pessoa ou uma empresa a decidir assumir o lado empreendedor”, atira.

O francês cita ainda uma outra loja, a Vida Dura, em Melides, como um exemplo a seguir. “Começaram a trabalhar mais para lifestyle, coisas à volta de Portugal, e é interessante”. “As pessoas, numa pequena ou grande escala, já estão entusiasmadas por trabalhar com coisas do seu país. Porque há muito talento”, remata.

A Portugaba está à venda no site da Louboutin, por 1690 euros — um preço que não destoa daqueles que a marca francesa pratica. “Bom dia Portugaba”, lê-se na página inicial do site. O link leva-nos para uma página onde são apresentados os artesãos responsáveis pelas várias técnicas aplicadas na mala. Só no final há um botão que direcciona para a página onde a peça pode ser comprada. “Criada usando técnicas tradicionais e know-how local de artesãos, a Portugaba é a ode de Christian a Portugal”, lê-se. “Cada componente da mala foi feita meticulosamente à mão, o que significa que cada peça é única”. Além desta mala, o criador lançou também umas sandálias e umas sapatilhas com um design inspirado nos azulejos portugueses.

Foto
A artista de burlesco Dita Von Teese esteve presente no evento

A artista de burlesco Dita von Teese, amiga de Christian Louboutin, marcou presença no evento de apresentação, a convite do criador e aproveitou também para visitar a cidade. Esteve em Lisboa quando actuou na discoteca Lux, em 2003, recorda ao PÚBLICO. “Adoro a mala. Estava agora mesmo a ver como a fazem”, comenta, apontando para as artesãs que trabalham nos elementos inspirados na capa de honra de Miranda do Douro, e que a convidam a experimentar uma das peças de roupa que produzem na sua loja em Sendim, um casaco. Dita von Teese vestiu-o, sorriu, posou e agradeceu. 

Sugerir correcção
Comentar