Estilo paranóide e desinformação

Não existem pessoas que acreditam em falsos factos ou teorias da conspiração e outras que não acreditam, de uma forma absoluta. Ou seja, todos podemos mais cedo ou mais tarde cair nelas.

Começo por uma participação de interesses e convicções: sou adepto e activista da democracia, não aprecio “mãos de ferro” e/ou ditadores, tento não confundir a responsabilidade com a culpa judaico-cristã, não partilho do gosto pelos tribunais populares e pela transformação da suspeita em condenação, seja através das antigas “coscuvilhices”, das redes sociais ou da actual comunicação social e tento não confundir o direito de opinião sobre a realidade e sobre os factos com a opinião sobre o que é a realidade e quais são os factos. Defendo, por isso, opinião informada em factos e evidência científica. A partir daqui, erro como tantos outros, nas percepções, se ultrapassado nos saberes que me orientam ou de forma mais abrangente nas competências que uso.

Num ano de vários actos eleitorais em Portugal, tão importantes para definirmos as estratégias do país e da Europa para os próximos anos, creio importante procurar contribuir com algum conhecimento da ciência psicológica para menos desinformação (vulgo fake news) no espaço público. Dos boatos às teorias da conspiração vai um mundo de estórias, opiniões e estratégias que contaminam a leitura de factos e da realidade. A construção de narrativas que criam um quadro para a leitura enviesada desta ou de outra situação são formas correntes, mais propositadas ou ingénuas conforme o contexto e/ou emissor, de criar uma espécie de lente para uma leitura distorcida dos factos que nos rodeiam. Desta forma, diz bem o ditado popular, “para a mentira ser segura e atingir profundidade tem de trazer à mistura qualquer coisa de verdade”. O impacto deste tipo de enviesamento pode até ganhar contornos de impacto económico global. É sabido que a economia vive num equilíbrio de racionalidade e emoções, de dados objectivos e de percepções que influenciam decisões e comportamentos. Uma narrativa forte sobre o possível abrandamento da economia pode levar ao próprio abrandamento da economia, assim como uma narrativa fortemente optimista pode levar a mais crescimento, mas também, a consumo e endividamento excessivo.

As teorias da conspiração alimentam há muito a política, estando várias delas bastante mediatizadas e serviram, literalmente, argumento de filmes. Algumas sem grande impacto nocivo, como as que defendem que as primeiras passadas de um homem na lua foram obra de estúdios cinematográficos ao serviço do governo norte-americano, outras colocando a saúde de todos em risco, como as acções anti-vacinação, numa demonstração de iliteracia e irresponsabilidade sem qualquer evidência científica que a suporte.

Estas teorias combinam com uma desconfiança sobre as instituições, quase invertendo a lógica de credibilidade, colocando na voz de uns quantos anónimos ou não, sem fundamentação, uma igualdade ideológica radical, sem proporcionalidade na responsabilidade e escrutínio, com preferências por vezes sádicas, dando a sensação à opinião pública (devido à opinião publicada ou ao enviesamento nas escolhas das notícias) que uma grande conspiração de malfeitores, sucessivamente eleitos entre todos nós e aparentemente sempre com agendas secretas em seu benefício, está sempre no poder. Não raras vezes, replicamos a estória do rei vai nu que contamos às crianças mas que parecemos esquecer no dia-a-dia, recuando ontogeneticamente nos tempos, agitando as nossas forquilhas e gritando pela justiça face a um hoje e a mais um de nós amanhã, num movimento de auto-flagelo quando somos nós sempre que estamos representados, em virtudes e em defeitos, por nossa decisão e voto.

Algo que hoje sabemos é que não existem pessoas que acreditam em falsos factos ou teorias da conspiração e outras que não acreditam, de uma forma absoluta. Ou seja, todos podemos mais cedo ou mais tarde cair nelas. Algo que facilita e cria maiores condições para acreditar em fake news são traços de personalidade tipicamente descritos como mais paranóides, onde também se pode encontrar tendência para mais hostilidade, cinismo e desafio à autoridade. Também as pessoas mais insatisfeitas com a sua situação de vida ou que sentem ter pouco controlo sobre a sua vida tendem a ser mais “seguidistas” destes fenómenos. Nada disto é algo novo mas os instrumentos tecnológicos hoje existentes e a percepção existente de menor coesão social, ou de facto uma menor coesão social e desigualdades sociais, podem criar, como noutros momentos históricos, condições propícias aos populistas impolutos e profetas das desgraças com soluções de justiça ímpia e imaculada.

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