Trabalhadoras da limpeza voltam à rua: “É uma vergonha estarem a descontar-nos” e não pagarem à Segurança Social

Empresa que motivou protesto, a Ambiente e Jardim, assegura limpeza de instituições como a CP ou Refer e justifica atrasos com problemas com a password da Segurança Social. Sindicato acusa empresa de só ter reclamado sobre password depois de acções de luta marcadas.

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Daniel Rocha
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Domingas Fortes faz limpezas na Estação de Santa Apolónia, em Lisboa, há mais de 20 anos. Aos 63, está no Saldanha, ao lado de outros trabalhadores da empresa de limpeza industrial Ambiente e Jardim, a gritar palavras de ordem.

Na tarde desta segunda-feira, no meio das bandeiras vermelhas que se vão içando do Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas (Stad), e entre os apitos e panfletos que os delegados sindicais vão distribuindo, Domingas Fortes explica que a empresa não tem pago a Segurança Social, ou seja, desconta o valor no recibo dos trabalhadores mas não o entrega aos serviços. Há também muita gente a queixar-se de que não tem recebido os abonos, afirma.

“Precisamos dos nossos descontos, fazem falta para a nossa reforma”, diz, com voz pausada esta mulher portuguesa de origem cabo-verdiana. Para um horário das 8h às 17h, Domingas Fortes recebe um salário de mais ou menos 600 euros e é uma das mais de mil trabalhadoras que estavam na lista que a empresa forneceu ao Stad, segundo a dirigente Vivalda Silva. 

A massa de cerca de 100 pessoas vai saindo do Saldanha em direcção à sede da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que fica uns metros adiante na Avenida Casal Ribeiro. Há mais apitos, palavras de ordem entoadas alto e música. A maioria pertence à empresa que assegura a limpeza de instituições como a Comboios de Portugal ou a Refer, as quais o sindicato acusa justamente de não pagar os descontos dos trabalhadores à Segurança Social desde Outubro. 

À porta da ACT é feito um cordão com polícia a vigiar e os delegados sindicais mais importantes a falarem no centro. Toca “Eu vim de longe/de muito longe/o que eu andei p'ra'qui chegar”, de José Mário Branco, no altifalante. Olga Gonçalves, de 44 anos, veio, de facto, de Coimbra. “É uma vergonha estarem a descontar-nos nos recibos e depois não entrarem na Segurança Social”, comenta.

Na manifestação estão sobretudo trabalhadoras mulheres e de várias idades. Com 26 anos, Raima Lala faz parte de uma das faixas etárias mais baixas. Tem um colete amarelo e agarra numa bandeira vermelha do sindicato. Veio manifestar-se para “zelar” pelos seus “interesses”. Foi de baixa uma semana por causa do filho que estava doente e nessa altura percebeu que a empresa não fazia descontos para a Segurança Social desde Setembro, ou seja, ficou sem receber o valor equivalente à baixa.

“Fiz queixa à Segurança Social. Entretanto mandaram uma carta a dizer que vão analisar a minha situação”. Até agora, segundo ela, [a situação] não ficou regularizada.  

“Estou aqui em solidariedade com as minhas colegas”, diz, por seu lado, Sandra Lopes, de 28 anos, que trabalha noutra empresa. “Vim para dar mais força à luta, para ficarmos mais fortes em relação aos patrões”, acrescenta.

Num e-mail enviado ao PÚBLICO, a empresa refere que “todos os descontos foram entregues, embora com atraso” por causa de dificuldades de comunicação com a Segurança Social. “Apesar da password de acesso ao sistema ter sido requerida em tempo útil, esta só foi disponibilizada” a 4 de Abril, “tendo sido de imediato efectuados os descontos”, justifica. 

Últimos três meses regularizados 

Porém, o sindicato contesta e diz que tem registo de que os últimos três meses de 2018 terão sido regularizados mas os restantes não. Vivalda Silva acrescenta que já em Novembro a empresa tinha referido o problema da password. “Em Fevereiro fizeram uma reunião com o Ministério do Trabalho onde repetiram essa justificação mas entregaram documentos onde estava registado que só em 12 de Fevereiro é que tinham reclamado e pedido nova password. Só quando as greves começaram a ser marcadas é que foram reclamar”, acusa.

Por outro lado, a empresa reitera que, de acordo “com o feedback dos trabalhadores”, já se encontram visíveis no seu histórico contributivo “os descontos” relativos a 2018. E acrescentam: “Depreendemos que a informação de 2019 esteja a ser progressivamente actualizada pelos serviços competentes.”

Mas este não é o único problema para a sindicalista, que acusa ainda a Ambiente e Jardim de “ganhar as empreitadas públicas”, só que “quem passa os recibos são outras empresas - a AJII, a Ambijardim”: “É um problema sério”, afirma. A Ambiente e Jardim justifica que a “contratação pública tem um máximo de duração legal por contrato, por forma a salvaguardar a livre concorrência no mercado relativamente a esta actividade” e que, de acordo com “a Convenção Colectiva de Trabalho”, defende-se “a manutenção dos postos de trabalho independentemente da entidade patronal a que os trabalhadores estão sujeitos”. Por isso “é normal os trabalhadores terem recibos de diversas entidades patronais em períodos distintos relativamente aos mesmos postos de trabalho”.

"Vão continuar a investigar"

A dada altura da manifestação, Vivalda Silva é recebida na ACT. Uns minutos depois sai: “Disseram que estão a averiguar e que vão continuar a investigar, mas para fazermos a participação à Autoridade Tributária e à Segurança Social. Questionamos estas investigações porque nos dizem que fazem não sei quantas visitas e na nossa opinião deviam ir para dentro das empresas, porque lá é que está a documentação.” 

Ao PÚBLICO a ACT diz que “tem efectuado intervenções inspectivas nas empresas em questão e continuará a fazê-lo, adoptando, como até aqui, os procedimentos que se revelarem convenientes, nomeadamente no âmbito contra-ordenacional” — mas não esclareceu se já tinha aplicado alguma contra-ordenação.

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