Poli-humor: o efeito RAP na política

Ricardo Araújo Pereira não é um comentador político, mas já é muito mais do que só um humorista.

Rita Figueira escreveu sobre O efeito Marcelo: o comentário político na televisão, numa obra publicada recentemente pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS). É um livro pequeno, como têm sido todos os retratos da FFMS, escrito em jeito de ensaio, e que analisa as mudanças e novidades introduzidas pelo professor, agora Presidente, no espaço mediático. “Ainda hoje, nenhum comentador escapa à comparação, nenhum media ou político ignora a força do formato”, lê-se na sinopse.

É verdade: nenhum dos comentadores tradicionais escapa ao formato. Nem Marques Mendes, que é o seu herdeiro mais directo, apesar de terem chegado a competir. Mas depois há Ricardo Araújo Pereira (RAP) que, numa mistura de política com humor (poli-humor), leva os assuntos supostamente mais aborrecidos ao público mais improvável, no qual incluo crianças e adolescentes, a tomar como normal o que acontece em minha casa.

Aos domingos (como Marcelo) e na TVI (como Marcelo), Ricardo é praticamente o one man show (ao contrário de Marcelo que tinha sempre um jornalista como pivot) que tem cumprido o papel de diminuir a distância entre alguns portugueses e a política (à semelhança do que sempre fez o professor).

As relações familiares no Governo, as que vêm desde 2015 e as mais recentes, ao nível dos gabinetes, já andavam nas bocas da oposição há muito tempo até que RAP lhes dedicou metade de um programa. Paulo Rangel, Rui Rio e Assunção Cristas não largaram o assunto e o tema tornou-se o actual calcanhar de Aquiles do executivo até pela proximidade das eleições, mas o domingo em que o artista João Só cantou a carta que Pedro Nuno Santos dedicou à sua mulher, Catarina Gamboa, após a sua nomeação para o gabinete do secretário de Estado Duarte Cordeiro, pô-lo definitivamente na agenda - na pública, na política, na mediática e na dos portugueses. Depois disso, até Cavaco Silva e António Costa falaram sobre o assunto. Marcelo já tinha falado, mas voltou a falar.

Há outros casos em que o efeito RAP já se fez notar. Por exemplo, na cobertura das reuniões das comissões parlamentares, que decorrem na Assembleia da República e que são emitidas pelo Canal Parlamento online. Uma das audições que teria passado totalmente despercebida foi a da directora do estabelecimento prisional de Paços de Ferreira, na sequência da festa não autorizada que decorreu no interior da cadeia. Outra: a do presidente da comissão de acompanhamento da venda do Novo Banco à Lone Star.

Já as da comissão de inquérito a Tancos, que também foram passadas a pente fino pela equipa do programa Gente que não sabe estar, essas têm dado origem a muito noticiário interessante e revelador. O mesmo aconteceu com o juiz Neto de Moura: antes de ser alvo do humorista, e de outros que não gostam tanto de comentar política, já as suas histórias eram sobejamente conhecidas pelos portugueses.

Não, Ricardo Araújo Pereira não é um comentador político, nem sei se alguma vez quererá sê-lo. Não seguiu a linhagem e o exemplo deixados por Marcelo Rebelo de Sousa e a que Rita Figueiras se refere no seu livro. Gosta de sair da toca, preferencialmente, em anos eleitorais. Mas convenhamos: já é muito mais do que só um humorista.

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