Médicos fazem duas cirurgias sem enfermeiros em Setúbal. Ordem queixa-se ao Ministério Público

Ordem dos Enfermeiros entende que houve "negligência grosseira" nas duas operações efectuadas sem a presença de enfermeiros. Hospital alega que em pequenas cirurgias a presença de enfermeiros pode ser dispensada.

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As duas cirurgias foram efectuadas no dia em que milhares de enfermeiros participaram numa "marcha branca pela enfermagem” em Lisboa Nuno Ferreira Santos

No Centro Hospitalar de Setúbal duas cirurgias ortopédicas foram feitas por médicos sem a presença de enfermeiros, em 8 deste mês, no dia em que estes profissionais fizeram greve a nível nacional. A Ordem dos Enfermeiros (OE) queixou-se às autoridades, nomeadamente ao Ministério Público, argumentando que houve “negligência grosseira”, e pediu a intervenção urgente da ministra da Saúde, da Entidade Reguladora da Saúde e da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, adianta esta quarta-feira a Lusa.

As duas cirurgias foram efectuadas, sem a presença de enfermeiros, em regime ambulatório no Hospital Ortopédico Sant'Iago do Outão, que está incluído no Centro Hospitalar de Setúbal. Nesse dia milhares de enfermeiros participaram numa "marcha branca pela enfermagem” em Lisboa.

Nos relatos enviados à OE por enfermeiros do bloco operatório daquele hospital, mais de 20 profissionais referem que no dia 8 de Março houve uma adesão à greve de 100%, porque no serviço onde trabalham “não estão atribuídos cuidados mínimos”.

“Contudo, foram realizadas duas cirurgias no bloco operatório II pelo director clínico do Centro Hospitalar de Setúbal, um médico em regime de internato e colaboração do anestesista de serviço”, refere o relato escrito da equipa de enfermagem, que considerou ter “obrigação deontológica de comunicar” o caso à Ordem.

Nos documentos que remeteu a várias autoridades, incluindo Ministério da Saúde e Ministério Público, a Ordem entende que “houve negligência grosseira por parte de quem autorizou e permitiu que se realizassem cirurgias sem a presença de enfermeiros, com grave risco de dano para os doentes e violação grosseira das normas da cirurgia segura”.

Acrescenta que no Hospital de Setúbal as “drogas anestésicas de emergência e analgésicas estão guardadas em cofres com passwords [senhas] em que a responsabilidade de abrir os cofres é dos enfermeiros”. “No entanto, não havia um único enfermeiro presente”, frisa no ofício, em que recorda normas e orientações sobre a necessidade da presença de enfermeiros nos processos cirúrgico, mesmo os de ambulatório.

“Pequenas cirurgias”

O Centro Hospitalar de Setúbal já reagiu, alegando que o que está aqui em causa são “pequenas cirurgias”, em que a presença de enfermeiros pode ser dispensada. “No dia 8 de Março de 2019, dois doentes com cirurgia agendada ao túnel cárpico, no Hospital Ortopédico Sant'Iago do Outão, após avaliação clínica e perante um quadro de risco iminente de agravamento, foram transferidos para pequena cirurgia (onde a presença de enfermeiro pode ser dispensada)”, explica em resposta à Lusa.

Nota ainda que as cirurgias foram efectuadas “por dois cirurgiões e um anestesista, salvaguardando assim o agravamento iminente do estado de saúde dos doentes”.

Quando a greve dos enfermeiros às cirurgias programadas nos blocos operatórios se prolongou por muitos dias em Dezembro passado, obrigando ao adiamento de milhares de operações, o presidente da Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH) chegou a sugerir que os médicos poderiam fazer cirurgias sem a presença dos enfermeiros, uma medida a integrar numa espécie de plano de contingência para enfrentar a prolongada paralisação. Mas o bastonário da Ordem dos Médicos discordou da ideia. 

Sobre o caso de Setúbal, sem querer comentá-lo em concreto, o bastonário sublinhou que as normas dos blocos operatórios são para cumprir e que isso implica que a equipa esteja completa. Miguel Guimarães explicou que as equipas são constituídas de acordo com a complexidade da cirurgia, mas que em bloco operatório deve estar médico, enfermeiro e assistente operacional, sendo que “a equipa tipo deve ser respeitada”.

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