O regresso de Peter Eötvös à Sala Suggia!

O aguardado regresso de Peter Eötvös à Casa da Música foi marcado pela estreia nacional do seu segundo concerto para violino e por uma excelente interpretação de O Mandarim Maravilhoso de Béla Bartók.

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A espanhola Leticia Moreno e o maestro húngaro Peter Eötvö Alexandre Delmar

Volvidos cinco anos após a sua estreia na Casa da Música o compositor e maestro húngaro Peter Eötvös (n. 1944) regressou à Sala Suggia, novamente como Artista em Associação, para dirigir dois concertos que assinalam o seu 75.º aniversário. Os programas destes concertos integraram, para além da sua música, obras de outros compositores de relevo no panorama musical europeu dos séculos XX e XXI, tais como os seus compatriotas Béla Bartók (1881-1945) e György Kurtág (n. 1926) e o francês Pierre Boulez (1925-2016) que exerceu uma profunda influência em Eötvös.

O programa do concerto de sábado, 23 de Março, foi integralmente constituído por repertório sinfónico húngaro. O concerto abriu com Petite musique solennelle (en hommage à Pierre Boulez 90) de Kurtág, cujo carácter elegíaco se adequou à homenagem póstuma prestada a Paulo Cunha e Silva pela Universidade do Porto – personalidade de referência na academia, na arte e na cultura da cidade do Porto, falecido em 2015 e que em 2019 é recordado como Figura Eminente pela referida instituição académica. A direcção do carismático Eötvös demonstrou, desde o primeiro gesto, o rigor que lhe é característico. No entanto a orquestra nem sempre correspondeu à intenção do maestro, deixando transparecer alguma dessincronização nas entradas instrumentais, situação impossível de camuflar num discurso musical lento e predominantemente homorrítmico.

O 2º concerto para violino de Eötvös, intitulado DoReMi e apresentado em primeira audição nacional, subdivide-se numa série de secções contínuas que integram elementos temáticos diversificados, nomeadamente melodias modais que parecem evocar Bartók e/ou música tradicional húngara, mas também elementos característicos da música de Eötvös nos quais o timbre e o gesto instrumental desempenham funções estruturais. A linha do violino é o fio condutor do discurso musical, articulando episódios virtuosísticos com secções em que o instrumento solista se integra no tecido orquestral. A espanhola Leticia Moreno demonstrou solidez técnica, intensidade expressiva e uma boa comunicação com a orquestra e com o maestro. A violinista produziu no seu violino Nicola Gagliano uma sonoridade envolvente e equilibrada, revelando sensibilidade e maturidade interpretativa na maneira como realçou o lirismo inerente a grande parte das ideias temáticas de DoReMi. A orquestra participou de forma eficaz na dialética concertante contribuindo para realçar o sentido dramático da obra numa interpretação que foi globalmente bem conseguida!

Composta originalmente como uma pantomima ballet, da qual foi extraída a suite de concerto, O Mandarim Maravilhoso demonstra a extraordinária capacidade ilustrativa de Béla Bartók. As melodias e as texturas instrumentais representam, per se, a acção dramática desta obra de matriz expressionista cujo enredo (fortemente marcado pelo crime, pela lascívia e pela violência física e psicológica) expõe tendências perniciosas do ser humano, originadas pela ausência de moral e de ética. A partitura, de grande exigência interpretativa, solicita frequentemente solos e diálogos instrumentais de natureza camerística que se intercalam com texturas orquestrais densas, dissonantes e frequentemente marcadas por um impressionante vigor rítmico. O profundo conhecimento da música de Bartók por Eötvös (este afirma que a música de Bartók é como uma língua materna para si) foi evidenciado pela naturalidade e justeza da sua direcção, tendo a orquestra da Casa da Música correspondido com uma execução rigorosa, equilibrada e expressiva, respondendo com enorme segurança e qualidade interpretativa aos variados desafios colocados pela partitura de Bartók!

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